segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Partidas das Monções



Partidas das Monções (*)

   O Tietê recorda necessariamente o bandeirante e as monções, evoca a louca aventura desses homens hercúleos e destemidos, metidos em grossos gibões de algodão acolchoado, chuço e trabuco em punho, que varam o continente; revive as frotas de canões que rodaram por saltos e tucunduras, transpondo lezirias e vargens onde grassavam as febres malignas e matagais intricados de cipós em que se atocaiavam pintadas e suçuranas.
   A partida das monções! Na secura das crônicas do tempo, toscas memórias de viagem para uso da governança portuguesa, em que as maiores tragédias se anunciam estoica e rudemente, em fria prosa tabelioa, nesses roteiros e diários há sempre algumas páginas ungidas de emoção para descrever a largada trágica das frotas para a atemorizante aventura.


1) Conde de Azambuja

   É o conde de Azambuja, a registrar em grosso papel apergaminhado, sob a tolda protetora da capitânea as primeiras impressões da viagem "Embarquei a 5 de agosto, havendo antes disso ouvido missa na freguesia e toda a comitiva acabada ela, salvou a companhia de dragões com três descargas a Nossa Senhora da Penha invocação da dita igreja. Na primeira canoa me embarquei e só na segunda os dois missionários na terceira os oficiais da sala com o secretário, na quarta o capitão com metade da companhia. Entre esta e a do tenente que marchava na retaguarda com a outra metade, iam no de carga que eram dezesseis, pertences a El-rei e quatro a mim. Ao desamarrar salvaram outra vez os dragões a Nossa Senhora com três descargas, e marcharam as canoas na ordem que tenho dito, levando todas as bandeiras á popa com as armas reais. A que ia na canoa da missão, as levava só de uma parte, e da outra o padre Anchieta."


2) Teotônio José Juzarte

   Dezoito anos depois, muito mais expressivamente, Teotônio José Juzarte, largando para o Iguatemi, assim descrevia a partida: " Juntos os povoadores, preparadas as embarcações, e carregadas com tudo o necessário a embarcar a gente tanto da marcação como os passageiros; e as embarcações se põem todas em fileiras presas ao porto da dita Araritaguaba. Estando tudo em ordem e prontos para largar, e seguir sua viagem; a este tempo todas as pessoas estão confessadas e sacramentadas, porque daqui para baixo não há mais igrejas, nem sacramentos. Estando tudo na forma dada se da aviso ao pároco para vir benzer esta expedição; o qual tomando a sua estola, a sobrepeliz com seu sacristão se põem sobre o barranco do rio e ajoelhado todos entoam a ladainha de Nossa Senhora. A este tempo estão os homens da marcação cada um com um remo que lhe toca na mão e cada um no seu lugar e os remos alvorados com as pás para o ar. Acabada a ladainha benze o pároco a todas as canoas, e comitiva, e depois implorando a Divina Clêmencia larga a capitánea dando muitas salvas de espingarda, e levando a sua bandeira larga; depois da distancia dita de mais de 50 braças larga a segunda na mesma forma, e assim se seguem as outras, que a pouca distância se acham em um sertão aonde não há mais que a Divina Providência e logo se encontra um grande perigo além dos mais que se seguem que são inumeráveis..."

3) Hércule Florence

   Hércule Florence em 1826 também registrou a cena
"... dirigindo- nos para o porto, onde achamos o vigário paramentado com suas vestes sacerdotais, a fim de abençoar a viagem como é costume e rodeado de grande número de pessoas que viera assistir ao nosso embarque. Os parentes e amigos se abraçavam, despediam-se uns dos outros... Romperam então da cidade salvas de mosquetaria correspondidas pelos nossos remadores e , não ao som desse alegre estampido, deixamos as praias..."


4)  Governador Rodrigo César de Menezes

   Os historiadores procuraram de sua vez reconstruir o quadro magnifico, inspirando-se nas crônicas do tempo, é Washington Luis dando-nos uma impressão do que teria sido a largada bulhenta e colorida das 308 canoas da frota comandada pelo Capitão-general Rodrigo César de Menezes.
   "Ao amanhecer do dia 16 de julho de 1.726, foi ouvida a missa na capela de Araritaguaba, insuficiente para conter todos os aventureiros, Depois no pátio, a multidão, imensa e contraida em religioso recolhimento, recebia de um sacerdote a benção da viagem. Estava prestes a partida. O guia era mestre os pilotos práticos os remadores e proeiros vigorosos.Na sua canoa protegida por um toldo, e em cuja popa tremulava levemente a bandeira portuguesa, já Rodrigo César estava acomodado. Salvas de mosquetes, aclamações da multidão enchiam os ares.
   Desamarra - gritaram e num impulso vigoroso de remos, ajudado pela correnteza do rio, a monção deslizou pelas águas do Tiete."
 

5 – Taunay

Taunay na "História Geral das Bandeiras Paulistas" assim descreve a largada dos canoões no porto de Araritaguaba junto ao paredão de grés.
   "Já então estavam todos a bordo, confessados e sacramentados, porque dai para baixo não existem mais igrejas nem sacramentos. A barranca do rio surgiu o pároco da freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens, de estola e  sobrepeliz  acompanhado  do sacristão. Ajoelhavam–se todos e irrompia a ladainha de Nossa Senhora, um pouco mais curta que a de hoje, sem os acréscimos modernos da invocação á Rainha livre  da originais  a rainha da paz. Os homens da mareação, cada qual no seu posto, empunhavam os remos, voltando-lhes as pás para o ar. A fórmula, temo-la conservada pelo Pe. Angelo de Siqueira, em sua precisa “Botica da Lapa”  “Propritiare, domine, suplicationious nostris et benedic navem istam dextra tua sancta et omnes, qui in e a vehentum fiant dionatus es benedicere arcam Noe ambullantem in dilunio. Porrige eis domine, dexteram tuam sicut porrexisti beato petro ambulanti supra mare. Qui vivis et regnas in soecula soecutorum.”  Ai aspergia o sacerdote a canoa com água benta. Acabada a ladainha, benzia o pároco as canoas, suas equipagens e passageiros. E, depois implorando a Divina Clemencia, largava a capitanea. Ao se desfraldar a bandeira real, davam-se muitas salvas de espingardas”...
  

(*)  Historia do rio Tietê, de Mello Nóbrega

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