Partidas das Monções (*)
O Tietê
recorda necessariamente o bandeirante e as monções, evoca a louca aventura
desses homens hercúleos e destemidos, metidos em grossos gibões de algodão
acolchoado, chuço e trabuco em punho, que varam o continente; revive as frotas
de canões que rodaram por saltos e tucunduras, transpondo lezirias e vargens
onde grassavam as febres malignas e matagais intricados de cipós em que se
atocaiavam pintadas e suçuranas.
A partida das
monções! Na secura das crônicas do tempo, toscas memórias de viagem para uso da
governança portuguesa, em que as maiores tragédias se anunciam estoica e
rudemente, em fria prosa tabelioa, nesses roteiros e diários há sempre algumas
páginas ungidas de emoção para descrever a largada trágica das frotas para a
atemorizante aventura.
1) Conde de Azambuja
É o conde de
Azambuja, a registrar em grosso papel apergaminhado, sob a tolda protetora da
capitânea as primeiras impressões da viagem "Embarquei a 5 de agosto,
havendo antes disso ouvido missa na freguesia e toda a comitiva acabada ela,
salvou a companhia de dragões com três descargas a Nossa Senhora da Penha
invocação da dita igreja. Na primeira canoa me embarquei e só na segunda os
dois missionários na terceira os oficiais da sala com o secretário, na quarta o
capitão com metade da companhia. Entre esta e a do tenente que marchava na
retaguarda com a outra metade, iam no de carga que eram dezesseis, pertences a
El-rei e quatro a mim. Ao desamarrar salvaram outra vez os dragões a Nossa
Senhora com três descargas, e marcharam as canoas na ordem que tenho dito,
levando todas as bandeiras á popa com as armas reais. A que ia na canoa da
missão, as levava só de uma parte, e da outra o padre Anchieta."
2) Teotônio José Juzarte
Dezoito anos
depois, muito mais expressivamente, Teotônio José Juzarte, largando para o
Iguatemi, assim descrevia a partida: " Juntos os povoadores, preparadas as
embarcações, e carregadas com tudo o necessário a embarcar a gente tanto da
marcação como os passageiros; e as embarcações se põem todas em fileiras presas
ao porto da dita Araritaguaba. Estando tudo em ordem e prontos para largar, e
seguir sua viagem; a este tempo todas as pessoas estão confessadas e
sacramentadas, porque daqui para baixo não há mais igrejas, nem sacramentos.
Estando tudo na forma dada se da aviso ao pároco para vir benzer esta
expedição; o qual tomando a sua estola, a sobrepeliz com seu sacristão se põem
sobre o barranco do rio e ajoelhado todos entoam a ladainha de Nossa Senhora. A
este tempo estão os homens da marcação cada um com um remo que lhe toca na mão
e cada um no seu lugar e os remos alvorados com as pás para o ar. Acabada a
ladainha benze o pároco a todas as canoas, e comitiva, e depois implorando a
Divina Clêmencia larga a capitánea dando muitas salvas de espingarda, e levando
a sua bandeira larga; depois da distancia dita de mais de 50 braças larga a
segunda na mesma forma, e assim se seguem as outras, que a pouca distância se
acham em um sertão aonde não há mais que a Divina Providência e logo se
encontra um grande perigo além dos mais que se seguem que são
inumeráveis..."
3) Hércule Florence
Hércule
Florence em 1826 também registrou a cena
"... dirigindo- nos para o porto, onde achamos o
vigário paramentado com suas vestes sacerdotais, a fim de abençoar a viagem
como é costume e rodeado de grande número de pessoas que viera assistir ao
nosso embarque. Os parentes e amigos se abraçavam, despediam-se uns dos
outros... Romperam então da cidade salvas de mosquetaria correspondidas pelos
nossos remadores e , não ao som desse alegre estampido, deixamos as
praias..."
4) Governador Rodrigo César de
Menezes
Os
historiadores procuraram de sua vez reconstruir o quadro magnifico,
inspirando-se nas crônicas do tempo, é Washington Luis dando-nos uma impressão
do que teria sido a largada bulhenta e colorida das 308 canoas da frota
comandada pelo Capitão-general Rodrigo César de Menezes.
"Ao
amanhecer do dia 16 de julho de 1.726, foi ouvida a missa na capela de
Araritaguaba, insuficiente para conter todos os aventureiros, Depois no pátio,
a multidão, imensa e contraida em religioso recolhimento, recebia de um
sacerdote a benção da viagem. Estava prestes a partida. O guia era mestre os
pilotos práticos os remadores e proeiros vigorosos.Na sua canoa protegida por
um toldo, e em cuja popa tremulava levemente a bandeira portuguesa, já Rodrigo
César estava acomodado. Salvas de mosquetes, aclamações da multidão enchiam os
ares.
Desamarra -
gritaram e num impulso vigoroso de remos, ajudado pela correnteza do rio, a
monção deslizou pelas águas do Tiete."
5 – Taunay
Taunay na "História Geral das Bandeiras
Paulistas" assim descreve a largada dos canoões no porto de Araritaguaba
junto ao paredão de grés.
"Já
então estavam todos a bordo, confessados e sacramentados, porque dai para baixo
não existem mais igrejas nem sacramentos. A barranca do rio surgiu o pároco da
freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens, de estola e sobrepeliz
acompanhado do sacristão.
Ajoelhavam–se todos e irrompia a ladainha de Nossa Senhora, um pouco mais curta
que a de hoje, sem os acréscimos modernos da invocação á Rainha livre da originais
a rainha da paz. Os homens da mareação, cada qual no seu posto,
empunhavam os remos, voltando-lhes as pás para o ar. A fórmula, temo-la
conservada pelo Pe. Angelo de Siqueira, em sua precisa “Botica da Lapa” –
“Propritiare, domine, suplicationious nostris et benedic navem istam
dextra tua sancta et omnes, qui in e a vehentum fiant dionatus es benedicere
arcam Noe ambullantem in dilunio. Porrige eis domine, dexteram tuam sicut
porrexisti beato petro ambulanti supra mare. Qui vivis et regnas in soecula
soecutorum.” Ai aspergia o sacerdote a
canoa com água benta. Acabada a ladainha, benzia o pároco as canoas, suas
equipagens e passageiros. E, depois implorando a Divina Clemencia, largava a
capitanea. Ao se desfraldar a bandeira real, davam-se muitas salvas de
espingardas”...
(*) Historia do rio Tietê, de Mello Nóbrega
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