terça-feira, 28 de novembro de 2017

As festas da padroeira  NS Mãe dos Homens, agosto de 1891, em Porto Feliz, jornal Estadão.

Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz, lateral na rua Andre Rocha, anos 40

Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz, ou melhor antiga matriz, nos anos 40

domingo, 15 de outubro de 2017

A origem da cidade: de Araritaguaba a Porto Feliz

E o ouro para Portugal


Araritaguaba

Foi no reinado de d. João V, O Magnânimo, que a capela de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba ganhou a condição de freguesia, desmembrada da paróquia da vila de Itu, e recebeu o seu primeiro vigário, padre Felipe de Campos Bicudo.
Freguezia
 Freguesia era o nome que se dava na antiga América Portuguesa, e ainda hoje em Portugal, à menor divisão administrativa, correspondente à paróquia civil de países como o Reino Unido e República da Irlanda. Corria o ano de 1728 e a Capitania Real de São Paulo era governada pelo capitão-general Antonio da Silva Caldeira Pimentel. Nessa época o território da capitania era bem maior e muito diferente do território do atual Estado de São Paulo.
Capela em 1700
O historiador ituano Francisco Nardy Filho, com base no Livro Tombo da Igreja Matriz de Porto Feliz, pesquisado por ele na década de 1950, afirma que a capela fora construída por Antonio Cardoso Pimentel em 1700. O próprio Nardy alerta para o fato de o registro ter sido feito no Livro Tombo em 1747 pelo segundo vigário de Araritaguaba, padre Francisco de Campos, após ter ouvido a informação de testemunhas oculares da fundação da capela. A ocupação da área situada à margem esquerda do rio Tietê, onde fora erguida a capela, remonta ao final do século 17. Certamente já se conhecia a possibilidade de alcançar o sertão a oeste e até de se chegar às terras da coroa espanhola, ou às montanhas de prata de Potosi (Bolívia), singrando inicialmente águas do Tietê a partir de Araritaguaba.
1628 Cespedes Xeria
Foi o que fez em 1628 a comitiva de dom Luiz de Céspedes y Xeria, nomeado governador do Paraguai pelo rei Filipe IV de Espanha, que tinha como destino a cidade de Asunción. Cabe lembrar que no período de 1580 a 1640 Portugal estava unido a Espanha. Xeria fez um precioso mapa dessa viagem, documento que se encontra sob a guarda do Archivo General de Índias, localizado na cidade de Sevilha, Espanha. Trata-se de documento importante para o conhecimento dos inícios da colonização do território paulista e do mais antigo testemunho iconográfico da utilização de Araritaguaba como porto.
Monções
Mas, a Freguesia de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba teve impulso com o movimento das monções. O termo monção designava a navegação fluvial para o oeste, realizada principalmente pelos paulistas durante o século 18. O historiador Sérgio Buarque de Holanda chamou a atenção para a existência de elementos semelhantes entre as viagens oceânicas portuguesas e as fluviais dos paulistas: regularidade, periodicidade e duração. Todos os anos, nos meses de março e abril, as viagens para o Oriente coincidiam com as jornadas fluviais para Cuiabá, aproveitando as cheias dos rios e a facilidade da navegação. A rota entre Araritaguaba e Cuiabá durava de cinco a sete meses, mesmo tempo da rota entre Portugal e Índia. As frotas monçoeiras chegaram a reunir centenas de canoas, que transportavam desde sal até artigos de luxo, como licores e sedas, de forma que se tornaram essenciais para o abastecimento das minas de ouro nos primeiros tempos.
Porto das Monções
O porto das monções ganhou notoriedade no reinado de d. João V, O Magnânimo ou Rei-Sol Português. João Francisco Antonio José Bento Bernardo de Bragança, seu nome de batismo, reinou de 1º de janeiro de 1707 até morrer em 31 de julho de 1750. Quando começou a reinar, Portugal estava implicado na guerra da sucessão espanhola, ou seja, a briga entre as famílias Habsburgo e Bourbon pela Coroa da Espanha. O envolvimento no conflito custou os olhos da cara e arrasou as finanças do país. O novo rei tinha pressa em restaurar o prestígio e o poder de Portugal e ao mesmo tempo praticar relações diplomáticas cautelosas para mantê-lo bem distante de qualquer novo conflito. O segundo objetivo d. João V alcançou por meio de providencial aliança com a Inglaterra, o que, nos momentos de crise, garantia eventual socorro de soldados e da Marinha Real inglesa. Quanto ao primeiro objetivo, a restauração do prestígio e poder do reino, ele alcançou graças à colônia brasileira. E é aqui que ganha relevância o antigo porto de Araritaguaba, na margem esquerda do rio Tietê. O início do seu reinado coincidiu com o primeiro grande salto na produção de ouro do Brasil.
Ouro
Em 1708 começaram a chegar ao porto de Lisboa navios carregados de arcas de jacarandá abarrotadas com o metal precioso, anunciando um ascendente ciclo de riqueza poucas vezes visto na Europa. Nos seus quase 45 anos de reinado d. João V não saberia o que era uma Coroa pobre, graças à colônia de além mar. Cerca de dois milhões de libras em ouro, uma soma equivalente à metade do orçamento de defesa da Grã-Bretanha era oficialmente enviada de navio do Brasil para Lisboa todo ano, e um imenso comércio de contrabando trazia mais um terço dessa quantia, calcula um historiador inglês. O ouro das Minas Gerais continuava jorrando quando Pascoal Moreira Cabral, que estava a prear índios nos sertões do oeste de São Paulo, encontrou novas fontes do metal em 1718, nas margens do riacho Coxipó-Mirim.
Ouro...ouro..ouro
Não demorou mais que quatro anos para o sorocabano Miguel Sutil e seu sócio português João Francisco, O Barbado, descobrir outros mananciais de ouro na mesma região. Tão logo a notícia correu, na corte o rei exultou e na colônia desabrochou uma nova fase da corrida ao ouro. Parte desse ouro passou pelo porto das monções. Um cronista da época registrou o movimento – “Das Minas Gerais, do Rio de Janeiro e de toda a capitania de São Paulo abalaram-se muitas gentes, deixando casas, fazendas, mulheres e filhos”. Em apenas um ano, só de São Paulo foram mais de 2.000 pessoas.
Porto Feliz o melhor caminho
E o melhor caminho para chegar a Cuiabá, a “Terra Prometida”, certamente era a rota fluvial que tinha início no porto de Araritaguaba. Nos primeiros tempos a viagem chegava a durar sete meses, que era o mesmo tempo que se gastava para ir de Lisboa a Goa, nas Índias, contornando o Cabo da Boa Esperança. Essas expedições de São Paulo a Mato Grosso, movidas à busca do ouro, ficaram conhecidas como monções. A mais famosa e maior delas, que deixou o porto de Araritaguaba em 1726 e singrou águas dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Camapuã, Coxim, Taquari, Paraguai, Porrudos (São Lourenço) e, finalmente, Cuiabá, era composta de 3.000 pessoas acomodadas em 300 canoas. Algumas imensas, outras de dimensões mais acanhadas, as monções aos poucos se firmaram como expedições comerciais e de povoamento. As monções ajudaram a ocupar e proteger as fronteiras do Brasil, a desenvolver o comércio, a agricultura, a criação de gado e a germinar muitos povoados, hoje cidades, que foram plantados ao longo do caminho fluvial de aproximadamente 3.500 quilômetros. Basta citar duas: Tietê, logo no início da jornada, e Cuiabá, o destino final.
Esbanjando o ouro das monções
 A riqueza que passou no porto das monções pode ser aquilatada, de certa forma, pela imponência da volumetria da Igreja Matriz de Nossa Senhora Mãe dos Homens, inaugurada em 1750, ano da morte do Rei-Sol Português. Se ainda hoje ela se destaca no perfil do casario e prédios, imagine a magnitude do visual nos séculos 18, 19 e boa parte do século 20. Um quinhão imensamente mais gordo de tanto ouro foi diretamente para a Inglaterra e contribuiu para consolidar o poderio econômico inglês. Mas, parte do ouro que transitou por Araritaguaba ficou em Portugal. Com aquela fortuna nas mãos, d. João V deu asas a seu projeto de exaltação real, ao desejo de erguer igrejas, conventos e palácios. Com tanto metal foi possível concretizar o complexo de 46.500 metros quadrados do Convento e Palácio em Mafra, 40 quilômetros a noroeste de Lisboa, com vista para o Atlântico. A riqueza jorrando do Brasil, e parte dela tendo circulada pelo porto das monções, permitiu ao rei erguer um rival do Escorial, palácio dos reis de Espanha, ou até mesmo de Versalhes.
O rei esbanjou ouro
De seu quase meio século de reinado pode-se dizer que a única empreitada com valor prático, em vez de “espiritual”, foi a construção de um novo aqueduto, o das Águas Livres, imensa construção que ainda hoje marca indelevelmente o cenário de Lisboa. Grande parte de suas edificações veio abaixo com o grande terremoto, seguido de um tsunami sem precedentes, no Dia de Todos os Santos em 1755. Para reconstruir a Lisboa destruída, mais recursos e muito ouro foram reclamados do Brasil. Quando se visita hoje a Baixa Lisboeta e o imenso complexo de palácio, igreja e convento de Mafra, quando se avista a silhueta do aqueduto na capital portuguesa, quando se lê Memorial do Convento, de José Saramago, ou até mesmo quando se vê a ópera Blimunda baseada naquele livro, vem na imaginação o intenso vai-e-vem de expedições, a azáfama de gente e o volume de riqueza que sacudiram as terras agora tomadas pelo singelo parque que abraça o outrora famoso “porto das monções”, lugar de memória por excelência.
Porto Feliz, porto feliz
As monções ocupam um capítulo importante da história colonial do Brasil, marcando a consolidação do território, a colonização do interior e a formação de um mercado interno. Na história local, é o capítulo que explica o surgimento da povoação e o desenvolvimento de Araritaguaba (que quer dizer “lugar onde as araras pousam para comer”, em tradução livre do termo criado pelos índios guaianás).
1797 vila
A 13 de outubro de 1797, no final do século das monções, a freguesia alcançou a categoria de vila, ganhando a autonomia do termo da vila de Itu. Como unidade política e administrativa autônoma equivalente à município, a vila deveria ter câmara de vereadores e cadeia, definir seu território e erguer o pelourinho. Pelourinho era uma coluna de pedra erguida sempre em frente ao edifício da câmara, no centro da vila, simbolizando a esfera de jurisdição própria das câmaras. Representava a autonomia e a presença da justiça. Diante do pelourinho eram castigados e expostos os infratores da lei. A nova vila recebeu o nome de Porto Feliz e o seu pelourinho foi erguido no largo da igreja matriz, onde estava reservado o terreno para a câmara e cadeia. Antonio Manuel de Melo Castro e Mendonça, governador da capitania a serviço de Sua Majestade a rainha d. Maria I, ordenara a criação da vila e no mesmo texto do ato oficial justificou a escolha do nome Porto Feliz: “por ser um porto freqüentado de comerciantes das minas de Cuiabá e Mato Grosso, e de diferentes expedições de Sua Majestade para os vastos sertões que decorrem da mesma freguesia até a fronteira da cidade de Paraguai da América espanhola, tendo por isso toda a capacidade e disposição para vir a ser em poucos anos uma das vilas mais opulentas desta capitania”.
Cidade
Sessenta anos depois, a 16 de abril de 1858 a vila de Porto Feliz seria elevada à categoria de cidade sob a mesma denominação: Porto Feliz. O Brasil gozava então de três décadas e meia de independência política e o império tinha a sua frente o jovem d. Pedro II. Contudo, a profecia do governador Antonio Manuel de Melo Castro e Mendonça teimava em não se cumprir. Em que pese o soerguimento da economia açucareira e um tímido surto de crescimento, a vislumbrada opulência tardava em dar sinais de vida.
                                                                       Jonas Soares de Souza. 

domingo, 24 de setembro de 2017

Expedição Langsdorff uma das maiores do mundo

Expedição Langsdorff- partiu de Araritaguaba, hoje Porto Feliz.
Bernadete Gorgulho Chaves Vergueiro - São Paulo
Tenho percorrido cada capítulo, escrito por Miguel Flori, com uma sensação de participar também da aventura. Vi e pude estudar em todo o trajeto do cônsul, em cada percalço e em cada desenho do Taunay e do Florence, um Brasil de 200 anos atrás. Senti e imagino toda a expedição em mais de dezesseis mil quilômetros pelo interior do Brasil, entre os anos de 1824 a 1829. Que bom que foram feitos os  valiosos registros dos aspectos mais variados da natureza, da cultura e da sociedade daquela época. Sem dúvida é o mais completo inventário do nosso país no século XIX. Pena que pouca coisa está a disposição dos brasileiros, pois o maior acervo está na Academia de Ciências de São Petesburgo. No final da reportagem (Parte 10)  [edição 254 - LANGSDORFF ENFRENTA SEUS PRÓPRIOS DEMONÍOS] tão bem elaborada por Miguel Flori, fui invadida por certa tristeza ao saber que a aventura está quase no fim. Aguardo a última escala dessa aventura descrita de maneira tão pitoresca e fiel 
Ela me fez acompanhar linha por linha dessa fabulosa trajetória como se fosse um filme. E que filme! Que coragem e audácia desse médico que enfrentou jornadas penosas, passagens emocionantes, situações assustadoras, momentos hilários em um país rico em biodiversidade, mas atrasadíssimo. Era literalmente o fim do mundo.  A vida de Langsdorff  merece um filme. E que documentário daria!
Merece honras! Merece entrar para a história do nosso País com todas as homenagens que lhe são cabíveis. Parabéns, Miguel Flori, pela pesquisa e pela forma didática de contar esta aventura. Parabéns Folha do Meio Ambiente!  Vocês,  como o Czar Alexandre I  fazem parte do esforço  para reavivar nossa história e enriquecer nosso conhecimento das “descobertas científicas, investigações geográficas, estatísticas e o estudo de produtos desconhecidos no comércio”  na época do Brasil de D. Pedro II.

Hercule Florence descreve a partida da Monção de Langsdorff


Porto Feliz por Hercule Florence 1821

Link da expedição de Langdorff

Link para a expedição de Langsdorff

http://www.folhadomeio.com.br/fma_nova/busca.php?q=langsdorff&x=0&y=0

Link para um site dedicado a Hercule Florence

http://www.ihf19.org.br/acervo_pt.html

sábado, 9 de setembro de 2017

Inquisição e presos de Porto Feliz por praticar macumba

Praticantes das religiões africanas foram condenados pela Inquisição
Foram centenas deles; até tocar tambor era motivo para se ser acusado de bruxaria

Felipe Branco Cruz

No século 18, a economia de São Paulo dependia da lavoura e do plantio da cana-de-açúcar. O Brasil ainda era colônia de Portugal e a Inquisição voltava a ganhar força na metrópole europeia. Estima-se que nesse período pouco mais de 9 mil pessoas viviam na cidade. No Norte e no Nordeste do Brasil, os padres a serviço do Tribunal do Santo Ofício reapareceram. Mas na longínqua São Paulo a prática não era comum. Foi somente depois de 1745,quando tornou-se sede de um bispado, separando-se da diocese do Rio de Janeiro, que os inquisidores voltaram seus olhos para a pequena cidade do sudeste do país.

A inquisição em São Paulo, e de maneira geral em todo o Brasil, confundiu sistematicamente os rituais africanos com feitiçaria – e processou centenas, no que podia terminar na fogueira, ou o garrote, depois a fogueira, ou a perda de todos os bens - o que não era opção em se tratando de escravos. As vítimas não eram executadas aqui, pois a colônia não tinha tribunais eclesiásticos específicos, e os condenado seriam enviados para ser julgados e mortos em Portugal. Não existe em São Paulo o resultado final dos processos, então essa parte ainda está a ser desvendada. Sabe-se que dezenas de brasileiros foram queimados vivos, mas esses casos bem-documentados são principalmente de brancos acusados de judaísmo. Escravos não tinham existência jurídica como indivíduos, só propriedade.

    + Brasileiros na fogueira da Inquisição

Nos arquivos brasileiros, descobrimos gente como a escrava Paschoa, que viveu em São Paulo após ter sido vendida no Rio de Janeiro para uma família paulista. O ano era 1749 e Paschoa ficava dentro de casa cuidando da família Leyte Ribeiro,de sete pessoas. Após sua chegada,os senhores começaram a adoecer, e cinco membros da família morreram. Sobre a escrava pesou a acusação de bruxaria, principalmente depois de descobrirem ossos de galinha dentro de uma panela enterrados no quintal e também outros, escondidos dentro da parede e debaixo da cama de um dos filhos da família. Paschoa foi julgada e considerada culpada por bruxaria pela Inquisição. Sua história, por causa disso,ficou registrada em um processo e está há 265 anos arquivada na Cúria Metropolitana da Arquidiocese de São Paulo. Se não fosse assim, dificilmente a sua vida seria conhecida,e Paschoa seria apenas mais uma escrava que viveu e morreu no Brasil do século 18 sem deixar registro.

Ossos de galinha

Bastante castigados, alguns dos processos da Inquisição em São Paulo estão protegidos por uma camada de papel-arroz que conserva os documentos e impede que se desmanchem ao serem manuseados. Todas as 1 550 páginas de processos abertos entre 1739 e 1771 sobre bruxaria foram fotografados e estão sendo transcritas por pesquisadores da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. Paschoa foi considerada culpada e provavelmente levada a Portugal, onde pode ter sido executada. Entre as declarações das testemunhas de acusação, boa parte foi composta de “ouvi dizer”, “acho que”, “disseram”... Alguns acusaram a escrava – sem provas – de ter assassinado várias pessoas no Rio de Janeiro, o que levou os juízes a concluir que a “ré usou de magia para matar gente”. O relato de Paschoa para sua senhora dizia o contrário:os ossos de galinha teriam sido colocados lá pela escrava “porque lhe tinham ensinado” e “que prometia que agora logo havia de sarar”.


Arquivados na Cúria, os processos corriam na Justiça Eclesiástica, órgão a serviço da Inquisição, que condenava as pessoas por motivos como heresia (afronta à religião), apostasia (renegar a fé), bruxaria(na época, qualquer ato contrário à fé católica), judaísmo, homossexualismo, sodomia, vida marital sem casamento, entre outras razões.

Bruxaria

Em São Paulo, onde a Inquisição não chegou a marcar presença como no Nordeste, os principais alvos eram os praticantes de ritos vistos como feitiçaria. Não, não era a bruxaria da Idade Média, com caldeirões e velhas assustadoras. De acordo com a equipe da USP, os órgãos da Justiça Eclesiástica consideravam bruxaria as práticas das religiões africanas ou outros ritos que iam contra a fé católica.“Eles não entendiam ou não aceitavam outras religiões que não fosse a católica”, diz Nathalia Reis Fernandes, uma das pesquisadoras.

Embora a maioria dos acusados tenha sido considerada culpada na investigação preliminar que era realizada pela Justiça Eclesiástica, não se sabe o fim dos réus. Ao contrário do que ocorria, por exemplo, na América Espanhola, não havia Tribunal do Santo Ofício no Brasil.“Não sabemos o que ocorreu com os condenados. A maioria dos documentos está guardada no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, em Lisboa” afirma Helena de Oliveira, da USP. No edifício estão registrados 40 mil nomes de pessoas perseguidas, mas sem classificações por local de nascimento, o que dificulta a identificação

Patuás

Outra dificuldade em localizar esses arquivos em Portugal ocorre porque os escravos eram registrados, na maioria das vezes, apenas pelo primeiro nome. “Como eram considerados mercadorias, não possuíam nome de família”, diz Helena.Um dos processos mais completos encontrados pelas pesquisadoras é o do ex-escravo Pascoal José de Moura,de 1765, que vivia em Araritaguaba,atual Porto Feliz, a 100 km de São Paulo. O homem foi condenado porque produzia patuás para proteção.Os objetos eram uma espécie de amuleto com orações usadas para proteger da morte e do perigo quem os carregasse. “Ainda há uma grande névoa sobre como a Inquisição atuou em São Paulo”, diz Nathalia.“O fato é que Pascoal, negro, livre e alfabetizado, era um exemplo atípico na sociedade”, diz ela.

De acordo com as pesquisadoras, algumas testemunhas afirmaram que Pascoal não fazia mal a ninguém e que carregava os objetos para a própria proteção ou para ajudar outras pessoas. Mesmo assim, foi condenado e provavelmente enviado a Portugal, onde o desfecho do processo ainda é desconhecido. Nathalia destaca que uma das partes mais interessantes do processo são as próprias orações transcritas nos autos, que revelam um pouco da crença do período.

“Trata-se de um tipo de mentalidade medieval. Esses patuás vinham no formato de escapulários. É um costume que está aí até hoje. Na Idade Média havia a crença de que a simples presença de determinada imagem ou objeto já era suficiente para que a proteção se efetivasse”, diz Nathalia. O texto encontrado nos patuás de Pascoal é praticamente idêntico à oração para São Jorge, rezada até hoje pelos devotos do santo católico.

Outros casos

Mas não só escravos ou ex-escravos eram processados pela Inquisição. Outro caso analisado pelas pesquisadoras,de 1771, é o de Leonor de Siqueira e sua filha Anna Francisca. As duas foram acusadas de fazer feitiçarias para transformar o marido de Anna, Manoel José Barreto, em “pateta”. “Era como se ela estivesse fazendo ‘feitiços’ para o marido, porém o motivo é desconhecido”, diz Helena. Infelizmente, esse processo é um dos mais deteriorados e poucas informações sobre ele puderam ser recuperadas.

Em outros casos, manifestações típicas das religiões e da cultura africana eram confundidas com feitiçaria como, por exemplo, a do “povo do batuque”. Quatro pessoas foram flagradas por soldados após alguém denunciar ter ouvido em uma casa abandonada “batuques ilícitos”. Quando os soldados chegaram ao local, encontraram um casco de cágado, patas de bode e uma cabra. Além de algumas misturas com ervas que as testemunhas não sabiam para que serviam.

“Hoje em dia, batucada não é estranho. Faz parte da nossa cultura. Porém imagine para um descendente de português católico fervoroso que vê uma pata de bode? Para ele só há uma explicação: é coisa do demônio. Tudo que eles não entendiam era uma coisa ruim”, afirma Nathalia. “É possível fazer um paralelo com a nossa sociedade atual”, diz o professor Marcelo Módolo, que orienta as duas pesquisadoras da USP. “Hoje, quando alguém vê algo que não entende e aponta aquilo, julgando de maneira preconceituosa, dizendo que é macumba,cai no mesmo erro dos portugueses do passado”, diz. “A Igreja ainda se considera a intermediária entre Deus e os homens e não permite concorrência. Se alguém fizesse uma simpatia e ela funcionasse, como ficaria a moral dos católicos?”

Mapa das ruas de Porto Feliz em 1935


segunda-feira, 4 de setembro de 2017

ESPORTE CLUBE OPERÁRIO ARARITAGUABA – 100 ANOS DE GLÓRIAS E TRADIÇÕES

ESPORTE CLUBE OPERÁRIO ARARITAGUABA – 100 ANOS DE GLÓRIAS E TRADIÇÕES






O Esporte Clube Operário Araritaguaba foi fundado no dia 08 de outubro de 1916, depois de várias reuniões envolvendo esportistas ligados, principalmente, à classe operária do Município de Porto Feliz.  A denominação do clube é um resgate do primitivo nome desta cidade, chamada pelos índios Tupis/Guaranis de Araritaguaba, aludindo o lugar onde as araras bicavam a areia.

É o segundo clube mais antigo desta cidade e, neste ano, insere o seu nome no seleto rol das agremiações esportivas centenárias do futebol brasileiro.  São 100 anos gloriosos de garra, luta e tradição. 

O clube que se tornaria ao longo de sua existência uma das agremiações mais queridas desta cidade, nasceu, certamente, na região alta de Porto Feliz, nas imediações do atual Bairro do Bambu, onde também surgiu seu primeiro campo de treinamento.

Entre os esportistas que fundaram o tradicional clube preto e branco de Porto Feliz, destacamos Telésforo Leroy, Ataliba Cardoso, Jorge Casseta, José Antonio, Pedro Rodrigues, Pedro Pinto de Azevedo e José Rodrigues de Campos.  Telésforo Leroy, patriarca de tradicional família Araritana, foi o primeiro presidente do Esporte Clube Operário Araritaguaba.

Desde as primeiras jornadas esportivas disputadas no primitivo estádio inaugurado em uma travessa da Avenida Getúlio Vargas, o Esporte Clube Operário Araritaguaba mostrou o espírito aguerrido de seus jogadores.  Nessas memoráveis pelejas a gloriosa jaqueta alvinegra foi defendida com galhardia por jogadores inesquecíveis como Fernando e Cesário Leroy, Minguito, José das Neves, Dodô, Tancho, Joel Brienza, Tavico e tantos outros.

Mais tarde surgiriam defendendo as cores alvinegras do Araritaguaba, com o mesmo amor e dedicação, jogadores também inesquecíveis como Hermínio Leroy, Calim Sanna, Dedé, Eugênio Tomé e Armando Sanna.

Ao longo de toda sua gloriosa história o Esporte Clube Operário Araritaguaba sempre foi pródigo em formar grandes jogadores, desde suas equipes menores, até o time principal.  Seu atual estádio que se ergue majestoso na Rua João Portela Sobrinho, à sombra dos tradicionais e belos bambuais, continua sendo palco de memoráveis jornadas esportivas e de brilhantes atuações do querido clube alvinegro de Porto Feliz.

Esportistas valorosos têm seus nomes ligados eternamente à história do clube.  Tentar nominá-los seria praticamente impossível, sem correr o sério risco de esquecer alguns.  Sendo assim e para homenagear, indistintamente, a todos que contribuíram e contribuem com o Esporte Clube Operário Araritaguaba, citamos os saudosos Orlando Silvestre - o Mestre Calango - e José Oswaldo Ramos, verdadeiros símbolos de amor e dedicação à causa Araritana. 

O Esporte Clube Operário Araritaguaba nasceu para sacramentar, nas cores preto e branco do seu vistoso uniforme, a igualdade de raças e de credos religiosos, bem como para congregar todas as classes sociais.  Nasceu o glorioso Esporte Clube Operário Araritaguaba para reunir sob sua honrosa bandeira todos os esportistas que saibam cultuar a isonomia social e a imprescindível lealdade nos campos esportivos.
Por tudo isso, vestir a gloriosa camisa do Esporte Clube Operário Araritaguaba, ainda que por uma só vez, é gravar na própria alma a marca indelével de um histórico e verdadeiro manto sagrado.  Uma vez Araritano, eternamente Araritano!


                          Reinaldo Crocco Júnior
Ainda não completou 100 anos, mas nasceu Araritano e Araritano será,      por todos os séculos dos séculos que virão.

Partidas das Monções



Partidas das Monções (*)

   O Tietê recorda necessariamente o bandeirante e as monções, evoca a louca aventura desses homens hercúleos e destemidos, metidos em grossos gibões de algodão acolchoado, chuço e trabuco em punho, que varam o continente; revive as frotas de canões que rodaram por saltos e tucunduras, transpondo lezirias e vargens onde grassavam as febres malignas e matagais intricados de cipós em que se atocaiavam pintadas e suçuranas.
   A partida das monções! Na secura das crônicas do tempo, toscas memórias de viagem para uso da governança portuguesa, em que as maiores tragédias se anunciam estoica e rudemente, em fria prosa tabelioa, nesses roteiros e diários há sempre algumas páginas ungidas de emoção para descrever a largada trágica das frotas para a atemorizante aventura.


1) Conde de Azambuja

   É o conde de Azambuja, a registrar em grosso papel apergaminhado, sob a tolda protetora da capitânea as primeiras impressões da viagem "Embarquei a 5 de agosto, havendo antes disso ouvido missa na freguesia e toda a comitiva acabada ela, salvou a companhia de dragões com três descargas a Nossa Senhora da Penha invocação da dita igreja. Na primeira canoa me embarquei e só na segunda os dois missionários na terceira os oficiais da sala com o secretário, na quarta o capitão com metade da companhia. Entre esta e a do tenente que marchava na retaguarda com a outra metade, iam no de carga que eram dezesseis, pertences a El-rei e quatro a mim. Ao desamarrar salvaram outra vez os dragões a Nossa Senhora com três descargas, e marcharam as canoas na ordem que tenho dito, levando todas as bandeiras á popa com as armas reais. A que ia na canoa da missão, as levava só de uma parte, e da outra o padre Anchieta."


2) Teotônio José Juzarte

   Dezoito anos depois, muito mais expressivamente, Teotônio José Juzarte, largando para o Iguatemi, assim descrevia a partida: " Juntos os povoadores, preparadas as embarcações, e carregadas com tudo o necessário a embarcar a gente tanto da marcação como os passageiros; e as embarcações se põem todas em fileiras presas ao porto da dita Araritaguaba. Estando tudo em ordem e prontos para largar, e seguir sua viagem; a este tempo todas as pessoas estão confessadas e sacramentadas, porque daqui para baixo não há mais igrejas, nem sacramentos. Estando tudo na forma dada se da aviso ao pároco para vir benzer esta expedição; o qual tomando a sua estola, a sobrepeliz com seu sacristão se põem sobre o barranco do rio e ajoelhado todos entoam a ladainha de Nossa Senhora. A este tempo estão os homens da marcação cada um com um remo que lhe toca na mão e cada um no seu lugar e os remos alvorados com as pás para o ar. Acabada a ladainha benze o pároco a todas as canoas, e comitiva, e depois implorando a Divina Clêmencia larga a capitánea dando muitas salvas de espingarda, e levando a sua bandeira larga; depois da distancia dita de mais de 50 braças larga a segunda na mesma forma, e assim se seguem as outras, que a pouca distância se acham em um sertão aonde não há mais que a Divina Providência e logo se encontra um grande perigo além dos mais que se seguem que são inumeráveis..."

3) Hércule Florence

   Hércule Florence em 1826 também registrou a cena
"... dirigindo- nos para o porto, onde achamos o vigário paramentado com suas vestes sacerdotais, a fim de abençoar a viagem como é costume e rodeado de grande número de pessoas que viera assistir ao nosso embarque. Os parentes e amigos se abraçavam, despediam-se uns dos outros... Romperam então da cidade salvas de mosquetaria correspondidas pelos nossos remadores e , não ao som desse alegre estampido, deixamos as praias..."


4)  Governador Rodrigo César de Menezes

   Os historiadores procuraram de sua vez reconstruir o quadro magnifico, inspirando-se nas crônicas do tempo, é Washington Luis dando-nos uma impressão do que teria sido a largada bulhenta e colorida das 308 canoas da frota comandada pelo Capitão-general Rodrigo César de Menezes.
   "Ao amanhecer do dia 16 de julho de 1.726, foi ouvida a missa na capela de Araritaguaba, insuficiente para conter todos os aventureiros, Depois no pátio, a multidão, imensa e contraida em religioso recolhimento, recebia de um sacerdote a benção da viagem. Estava prestes a partida. O guia era mestre os pilotos práticos os remadores e proeiros vigorosos.Na sua canoa protegida por um toldo, e em cuja popa tremulava levemente a bandeira portuguesa, já Rodrigo César estava acomodado. Salvas de mosquetes, aclamações da multidão enchiam os ares.
   Desamarra - gritaram e num impulso vigoroso de remos, ajudado pela correnteza do rio, a monção deslizou pelas águas do Tiete."
 

5 – Taunay

Taunay na "História Geral das Bandeiras Paulistas" assim descreve a largada dos canoões no porto de Araritaguaba junto ao paredão de grés.
   "Já então estavam todos a bordo, confessados e sacramentados, porque dai para baixo não existem mais igrejas nem sacramentos. A barranca do rio surgiu o pároco da freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens, de estola e  sobrepeliz  acompanhado  do sacristão. Ajoelhavam–se todos e irrompia a ladainha de Nossa Senhora, um pouco mais curta que a de hoje, sem os acréscimos modernos da invocação á Rainha livre  da originais  a rainha da paz. Os homens da mareação, cada qual no seu posto, empunhavam os remos, voltando-lhes as pás para o ar. A fórmula, temo-la conservada pelo Pe. Angelo de Siqueira, em sua precisa “Botica da Lapa”  “Propritiare, domine, suplicationious nostris et benedic navem istam dextra tua sancta et omnes, qui in e a vehentum fiant dionatus es benedicere arcam Noe ambullantem in dilunio. Porrige eis domine, dexteram tuam sicut porrexisti beato petro ambulanti supra mare. Qui vivis et regnas in soecula soecutorum.”  Ai aspergia o sacerdote a canoa com água benta. Acabada a ladainha, benzia o pároco as canoas, suas equipagens e passageiros. E, depois implorando a Divina Clemencia, largava a capitanea. Ao se desfraldar a bandeira real, davam-se muitas salvas de espingardas”...
  

(*)  Historia do rio Tietê, de Mello Nóbrega

A história de Porto Feliz, um capitulo importante da história brasileira



A história de Porto Feliz, um capitulo importante da história brasileira (*)

Nossa cidade escreveu um dos capítulos mais fascinantes e importantes da História do Brasil  no século 18. Nosso porto de Araritaguaba, deixou na história brasileira um verdadeiro marco que ficou conhecido com o nome de Monções.
Monções, palavra de origem árabe, eram ventos alternados, que propiciavam a navegação à Índia e, na época colonial do Brasil, passou a referir-se às expedições fluviais do século 18, comerciais e povoadoras, que partiam do nosso porto de Araritaguaba. “O termo designava a navegação fluvial para o oeste, realizada pelos paulistas durante o século XVIII. Essa jornada empregava remos: necessitava de força física e não eólica. No entanto, Sérgio Buarque de Holanda destacou a existência de traços semelhantes entre as viagens oceânicas portuguesas a as fluviais dos paulistas: regularidade, periodicidade e duração. Todos os anos, nos meses de março a abril, as viagens para o Oriente coincidiam com as jornadas paulistas para Cuiabá, aproveitando as cheias dos rios e a facilidade de navegação. O trajeto entre Porto Feliz a Cuiabá consumia cerca de cinco meses, mesmo tempo da rota entre Portugal à Índia.  As monções ocupam importante capítulo da história colonial, marcando a ampliação das fronteiras e a colonização do interior, constituindo um prolongamento das bandeiras paulistas. As primeiras monções para Cuiabá empregavam o mesmo contingente humano das bandeiras do século XVII, mas se iniciaram quando o bandeirantismo entrava em declínio. Sérgio Buarque destacou que as longas jornadas fluviais modificaram algumas características das bandeiras, diversificando os meios de locomoção a exigindo nova postura dos componentes. Se para os bandeirantes os rios eram obstáculos à marcha, nas monções eram a principal artéria de deslocamento, razão pela qual as técnicas fluviais alcançaram grande desenvolvimento entre os paulistas. Para tornar a jornada menos perigosa, formaram-se comboios que substituíram as unidades isoladas. Nos primeiros anos, muitos morreram nas monções por ataques indígenas, naufrágios e fome. Para que os navegantes, suprimentos e mercadorias fossem protegidos contra as intempéries do clima, as embarcações ganharam toldos de lona, brim ou baeta, sustentados por armação de madeira, e tornou-se recorrente o use de mosquiteiros. As técnicas de navegação se basearam nas tradições indígenas, mas eram empregadas toras maciças na construção de canoas, em vez de cascas de árvores, para torná-las mais resistentes e duradouras. Possuíam cerca de 13 metros de comprimento, contando com seis remeiros, piloto e proeiro, sendo as cargas dispostas no centro da embarcação. Com a descoberta de veios auríferos, intensificou-se o comércio na região. As frotas, então, reuniam por vezes 300 ou 400 canoas, que transportavam desde sal até artigos de luxo, como sedas, de modo que as monções se tornaram essenciais para o abastecimento das minas nos primeiros tempos, rivalizando em importância com o abastecimento terrestre à base de tropas de mulas e contribuindo para a formação de circuitos internos na economia colonial”, escreve Ronaldo Vainfas no Dicionário do Brasil Colonial.
Cesário Mota Júnior, portofelicense foi o primeiro a escrever a história do Rio Tietê e das Monções,   publicando uma série  de artigos no jornal de Piracicaba – A Gazeta . Posteriormente , esses artigos foram reunidos no livro ‘‘Porto Feliz e as Monções para Cuiabá”.  Já no cargo de  Secretário de Estado dos Negócios do Interior, Cesário Mota sugeriu ao pintor Almeida Júnior a pintura de um quadro sobre as Monções. Daí, nascendo o famoso quadro “Partida da Monção”.
Muitos livros foram escritos sobre a navegação monçoeira pelo rio Tiête, os dois livros mais conhecidos são: Relatos Monçõeiros, organizado por Taunay e  “Monções”, escrito pelo famoso historiador Sérgio Buarque de Hollanda.
Porto Feliz faz parte importante da história de nosso país. Somos a “ Terra das Monções “ e uma das “Fonte Histórica” desta grande nação...
Isso devemos preservar.

(*) Jonas Soares de Souza – Tribuna das Monções – outubro 2000

A Imprensa em Porto Feliz – Os primeiros jornais



A Imprensa em Porto Feliz – Os primeiros jornais (*)



   Cabe a Paschoalino Verdi a gloria da fundação do primeiro jornal em Porto Feliz.
   Lutando com serias difficuldades, enfrentando sobranceiro a persitente guerra que lhe era movida por parte do municipio tributario, conseguiu elle levar a realidade o seu planejado ideal; e a 18 de Outubro de 1.906, era lançado aos quatro ventos da publicidade o Araritaguaba, orgam de interesse popular, com um programa excellente, bastante promissor, e redigido proficientemente pela penna adamantina do saudoso Josino de Moura, que foi, incontestavelmente, a gloria do jornalismo porto-felicense.
   Esse jornal, no seu primeiro anno de existencia adquiriu geral sympathia, ja pela sua orientação adeantada, já pelo seu brilhante sequito de collaboradores, como: João Vieira de Almeida, Othoniel Motta, Josino da Motta, Fernando Motta, Joaquim de Paula, etc.
   Mais tarde passou a sua redação aos srs. dr Aquilino do Amaral Filho e Pedro Motta, que imprimiram no Araritaguaba, um caracter eminentemente político que bastante contribuiu para a sua completa decadencia e finalmente no seu periodo de agonia, teve como redactor o rabiscador destas chronicas.
   Em Agosto de 1.907 veio a luz o jornal mignon, O Foguete do qual era redactor o sr dr Aquilino do Amaral.
   Folha critica e de feição genuinamente política, teve curta duração.
   Em Fevereiro de 1.908, começou a ser estampado o Porto Feliz sob a orientação do sr Djalma de Arruda, e orgam da política situacionista;e nessa mesma epocha, apparecia outro paladino, A Reação orgam como aquele de caracter político, de opposição ao partido ainda hoje dominante.
   Durante longo tempo, estes dois periodicos trocaram armas na liça da discussão; e em novembro daquele anno, finalmente, o Porto Feliz cedeu terreno ao adversário desapparecendo nas trevas do esquecimento.
   Outros jornaes tambem foram publicados nesta cidade, porem tiveram pouca vida como:
   O Demente, A Mosca, O Brejeiro, A Perola, A Folha, etc.

(*) Almanach de Porto Feliz – 1909 - Paschoalino Verdi e B. Ferraz Gomide

A primeira Loja Maçônica do Estado de São Paulo



A primeira Loja Maçônica do Estado de São Paulo(*)

A primeira Loja Maçônica do Estado de São Paulo foi fundada em Porto Feliz, a 19 de agosto de 1.831, quando o país vivia um clima de transição política gerado pela abdicação do Imperador Pedro I, ocorrida a 7 de abril do mesmo ano. A história registra que depois da abdicação de D. Pedro I a maçonaria brasileira intensificou sua luta,  e organizou-se da melhor forma possível, tendo instalado no Rio de Janeiro o Grande Oriente Nacional Brasileiro, que elegeu como Grão Mestre o Patriarca da Independência, José Bonifácio de Andrada e Silva.
Naquela ocasião o Grande Oriente Nacional Brasileiro enviou emissários para as Províncias,  com poderes de instalar Lojas Maçônicas e, nessa oportunidade vieram a Porto Feliz os plenipotenciários João Batista Lobo de Oliveira, que era Oficial do Exército, e Luiz Luciano Pinto, que era negociante.    Chegando à velha Araritaguaba  aqueles emissários maçônicos iniciaram nos augustos mistérios o Comerciante João Gaudie Lei, para que pudessem compor o quadro inicial da Loja, cujos trabalhos seriam desenvolvidos no rito oficial do Grande Oriente Brasileiro.
O ilustre historiador maçônico Kurt Prober nos conta que no exercício de 1.832, da era vulgar, o quadro de obreiros da primeira Loja Maçônica do Estado de São Paulo, fundada em Porto Feliz no dia 19 de agosto de 1.831, era o seguinte:
João Batista Lobo de Oliveira - “Trajano”
Luiz Luciano Pinto - “Bruce”
João Gaudie Lei - “Voltaire”
José Gomes da Silva - “Catão D’Utica”
José Rodrigues Leite - “Jeferson”
José Pinto Miguez - “Pelópidas”
Joaquim Correa Leite - “Franklin”
Manoel Foz Teixeira - “Rousseau”
Mathias Teixeira D’Almeida - “Aristides”
Manoel Inácio de Faria - “Epaminondas”
Luiz Antonio da Fonseca - “Pinho”
José Maria de Nolasco - “Sólon”
José Custódio de Almeida - “Cincinato”
Antonio Vaz de Almeida - “Tito”
Francisco Antonio de Moraes - “Platão”
José de Tolledo Piza - “Warington”
José Maria de Souza - “Ganganelli”
Manoel Alves de Almeida - “Sertório”
Manoel José Mesquita - “Cézar”
Tristão de Abreu Rangel - “Eneas”
José Manoel de Foz - “?”
?????????????????? - “Sipião”
De acordo com os estudos realizados pelo historiador Brasil Bandecchi, doutor em história pela Universidade de São Paulo, o Padre Diogo Antonio Feijó (Regente Feijó), foi iniciado na maçonaria, pela Loja Inteligência de Porto Feliz, no ano de 1.831, quando deixou o Ministério da Justiça e veio para a Província de São Paulo, onde permaneceu até maio de 1.833.
Como a primeira Loja Maçônica do Estado de São Paulo, a Inteligência de Araritaguaba prestou relevantes serviços à maçonaria brasileira.

(*) Texto elaborado pelo advogado Dr. Reinaldo Crocco Júnior

Santa Casa de Misericórdia – A Ata de instalação



Santa Casa de Misericórdia – A Ata de instalação (*)


   Aos doze dias do mes de Julho do anno de 1.908, ás onze horas da manhã, na sala das sessões da Santa Casa de Misericordia de Porto Feliz, presentes o sr, José Esmedio de Paes Almeida, vice-provedor em exercício do provedor e mais  os sócios dr Draco de Alburqueque, dr. Christovão da Gama, José Teixeira da Fonseca, Djalma Honorato de Arruda, Djalma Pires, professor Roque Plínio de Carvalho, Tristão Pires de Almeida, Padre José L. Rodrigues, Francisco Mauricio de Oliveira, José Ottoni de Sampaio, Pedro Motta, Eugenio Motta, José Mauricio de Oliveira, Aquilles Jorge de Oliveira, Antonio Pimenta Junior, Mathias Fernandes de Camargo, Luiz de Carvalho Filho, Euchario Mauricio de Oliveira, secretario da associação, pelo mesmo provedor em exercicio foi dito que tendo sido concluidos os trabalhos de adptação do predio e se achado o mesmo provido de tudo necessario para o funcionamento da Santa Casa, bem como satisfeitas as naturaes exigencias para esse fim declarava installada a Santa Casa de Misericordia de Porto Feliz cuja direcção clínica ficava a cargo do dr Christovão da Gama que, que sócio fundador, gratuitamente tomará a esse cargo,  sendo que o serviço fharmaceutico  ficaria a cargo do fharmaceutico Adolpho Brand, estabelecido nesta cidade, havendo ainda imcumbidos do serviço das enfermarias dois enfermeiros  adrede contractados. Disse mais o provedor em exercicio que, de accordo com o estabelecido nos estatutos devia ser eleita nova directoria para a Santa Casa de Misericordia, sendo então eleitos para provedor, José Esmedio Paes de Almeida, vice provedor, Padre José L. Rodrigues, para mordomos José Teixeira da Fonseca, José Antonio Vieira, Mathias Fernandes de Camargo, Francisco Mauricio, Tristão Pires, Pedro Motta, Pimenta Junior, Djalma Pires, Luiz de Carvalho Filho, Levindo Pires, Djalma Arruda, para thesoureiro Joaquim Agostinho Torres e para secretario Euchario Mauricio de Oliveira, sendo os dois últimos reeleitos. Pelo socio Dr Draco de Albuquerque foi proposto e aprovado que se lançasse nesta acta um voto de louvor ao sr José Esmedio Paes de Almeida pelo modo dedicado com que desempenhou as funções do que foi imcumbido desde a iniciação dos trabalhos para a fundação da Santa Casa até a sua installação. Pelo sr José Esmedio Paes de Almeida foi dito que agradecia este voto de louvor, e propunha identica manifestação ao dr Draco de Albuquerque, que foi um seguro auxiliar seu no desempenho dessa missão, dedicando-se igualmente a mesma cauza, sendo tudo approvado. E como mais nada houvesse a tratar foi encerrada a sessão da qual eu, Euchario Mauricio de Oliveira, secretario lavro esta acta que vai por todos assignada.

(*) Almanach de Porto Feliz – 1909 - Paschoalino Verdi e B. Ferraz Gomide

Armazém Real de Araritaguaba



Armazém Real de Araritaguaba - Outra repartição ligada ao "ciclo das monções" (navegação fluvial de São Paulo para Mato Grosso). Araritaguaba era um porto no alto Tietê, de onde partiam, em grandes canoas, as expedições paulistas para Cuiabá, levando mineradores, soldados e comerciantes. Entre 1767 e 1777, pelo menos, o governo colonial ali manteve um Armazém Real para abastecer a isolada colônia militar de Iguatemi, na divisa com o Paraguai. A tomada de Iguatemi pelos espanhóis fez cessar a razão da existência dessa repartição em Araritaguaba. Araritaguaba hoje é a moderna cidade paulista de Porto Feliz. O Armazém Real provavelmente estava sediado no prédio ainda agora denominado "Casa da Alfândega", mas que é usado parte como bar e parte como moradia. (FONTES: RIHGB/AHU/SP, 11:23 e 26 - Guia dos Bens Tombados - São Paulo, 27).

O “quadrilátero do açúcar”



O  “quadrilátero do açúcar”

Entre 1780 e 1850 a região de Porto Feliz e Itu foi um das maiores produtoras de açúcar em São Paulo. Nessa época,  os canaviais cobriram vastas extensões de terras e o número de engenhos quase chegou à cifra de duas centenas. Do período restou um conjunto de testemunhos arquitetônicos, além de um acervo de objetos, documentos textuais e iconográficos
O naturalista alemão Gustavo Beyer, que visitou a região no verão de 1813, ficou impressionado com a presença marcante da cana de açúcar na paisagem e no cotidiano da população. Essas impressões ficaram registradas em seu diário de viagem: “Antes de chegar à cidade de Itu, o terreno é todo cultivado e todos os campos são ornados com plantações de cana e ao pé de cada rio encontram-se engenhos e alambiques, que são movidos por água”. E não foi somente a extensão dos canaviais e o número de engenhos que despertou a atenção de Beyer, mas também o costume muito comum dos habitantes de comer melado e mascar gomos de cana-de-açúcar: “Viajando pelos arredores de Itu, é impossível não notar que toda gente de classe baixa tinha os dentes incisivos perdidos pelo uso constante da cana de açúcar, que sem cessar chupam e conservam na boca em pedaços de algumas polegadas. Quer em casa quer fora dela, não a largam e é possível que esta também seja a causa de haver aqui mais gente gorda do que em outros lugares. A classe superior gosta igualmente de doce, pelo que recebeu o alcunha de mel do tanque, isto é, o melhor melado produzido na fabricação do açúcar. Os próprios bois e os burros também participam da mesma inclinação e encontram-se eles, tal qual seus condutores, mastigando cana”.
A indústria do açúcar no Brasil, que estava um tanto estagnada,  se beneficiou nesse período de uma situação conjuntural. A ocorrência da  desarticulação da produção açucareira nas Antilhas provocou  alta de preços e  ampliação nos mercados mundiais do produto, dando assim oportunidade ao açúcar  da colônia portuguesa. Ao conseqüente renascimento dos engenhos correspondeu também o soerguimento da economia paulista.
Na área central da Capitania de São Paulo, no chamado “quadrilátero do açúcar”, uma área formada por Mogi Guaçú, Jundiaí,  Porto Feliz e Piracicaba, concentrou-se então a maior parte da cultura e da indústria açucareira. Entusiasmados com a expansão da demanda e com a alta de preços os fazendeiros da região investiram capitais na ampliação das lavouras e fábricas de açúcar, e muitos chegaram mesmo a se afundar em dívidas para levantar novos engenhos. E os preços continuaram ajudando, pois  se elevaram progressivamente até 1799.
Entretanto, na virada do século 18 para o 19 os preços do açúcar começaram a declinar. A flutuação dos preços e a retração do mercado assustaram os fazendeiros da região.  A  “falta de comércio” e a conseqüente baixa de preços  forçaram os vereadores da Câmara da vila de Porto Feliz, que julgavam-se “obrigados a salvar a Pátria da ruína que a ameaça”, a apelar ao Príncipe Regente D. João.  Através de ofício datado de 27 de junho de 1801 suplicaram “humildemente se digne [o Príncipe Regente] conceder aos fabricantes de açúcar e lavradores de cana  e aos seus partidistas desta capitania o privilégio de não serem executados nos pertences de suas fábricas e escravos, devendo os credores ser pagos pelos  rendimentos delas, os quais devem somente ficar obrigados à importância das dívidas, para a segurança”.
 A conjuntura internacional mais uma vez veio em socorro dos fazendeiros  de Itu. A série de guerras napoleônicas na Europa provocou a retomada da cotação elevada do açúcar. Os preços declinaram um pouco somente a partir de 1830, mas mantiveram-se durante o século 19 em nível comparado ao do século anterior. Entretanto, a partir de 1850 o café tornava-se pouco a pouco no principal produto brasileiro de exportação, deslocando o açúcar para uma segunda posição. Campinas, por exemplo, que antes fora grande produtora  e que em 1839 tivera  93 engenhos e uma produção de 158.477 arrobas, já em 1854 contava com apenas 44 engenhos e uma produção de 62.290 arrobas de açúcar. Enquanto isso, cresciam suas fazendas de café. Nesse  mesmo ano já eram 177 fazendas produzindo 335.550 arrobas de café.
Em Itu, porém, o café não chegou a ultrapassar o açúcar nesse período: eram 60 fazendas produzindo  16.702 arrobas de café, contra 164 engenhos produzindo 159.070 arrobas de açúcar. Como bem demostrou a historiadora Maria Thereza Schorer Petrone, em Itu estava concentrada as maior parte da indústria açucareira de São Paulo, pois toda a Província tinha 667 fazendas de açúcar e uma produção total de 866.140 arrobas de açúcar.
J.J. von Tschuddi, nomeado embaixador no Brasil pelo Governo da Confederação Helvética, visitou  Itu na década de 1860 e deixou a seguinte observação no seu livro de viagens -  “no distrito da cidade cultiva-se  em várias fazendas a cana de açúcar, sendo algumas destas fazendas otimamente instaladas, nada ficando a dever aos melhores engenhos de Pernambuco”.
Por outro lado, os fazendeiros ituanos disseminavam a cultura da cana nas terras dos municípios ao seu redor.  A lavoura de cana de Porto Feliz dever ser considerada uma expansão da ituana -  “Gente de Itu, à procura de novas terras, levaram o interesse pela lavoura canavieira à antiga Araritaguaba induzindo, inclusive, os primitivos moradores a plantar cana”. Ao encerrar o período colonial, a antiga freguesia de Araritaguaba, juntamente com Itu e Campinas, controlava a produção de açúcar da Capitania.
Os ituanos foram também  responsáveis pela expansão dos canaviais até Piracicaba. Em 1790 o governador da Capitania de São Paulo, Bernardo José de Lorena, solicitou ao capitão-mor de Itu providencias necessárias para o povoamento das terras da então freguesia de Piracicaba. Tomadas as providências, em pouco tempo a cultura da cana se desenvolveu e oito anos depois havia um conjunto de três engenhos produzindo 700 arrobas de açúcar.
De certa forma,  a cultura da cana em Porto Feliz e Piracicaba  era resultado da falta de terras em Itu.  Já em 1784 o capitão-mor de Itu dizia – “não se acham muitos terrenos, onde possam estabelecer-se” para erigir novos engenhos. Em todo o caso, durante um bom tempo desse novo “ciclo do açúcar” as terras da  antiga povoação de Nossa Senhora da Candelária formavam a maior área produtora da Capitania e depois Província de São Paulo.
Enriquecidos, alguns  senhores-de-engenho mandavam construir sólidos e imponentes sobradões na cidade. Mas eram sobradões  que ficavam desocupados e fechados durante a maior parte do ano. O costume  era tão freqüente que chamou a atenção do naturalista Auguste Saint–Hilaire. Ele anotou em seu livro Viagem à Província de São Paulo que os proprietários só iam à cidade aos domingos, afim  de  ouvir missa, “não se podendo mesmo em rigor computá-los como elementos constituintes da população”. Os senhores-de-engenho ituanos permaneciam isolados em suas terras levando uma vida modesta, sem grandes atividades sociais e culturais. “De maneira geral, pode-se afirmar que não houve em São Paulo, pelo menos durante o período colonial, uma sociedade do açúcar como haveria mais tarde a sociedade do café, com suas ricas casas na cidade, temporadas na Corte...”


Engenhos e sedes de fazendas

Dos engenhos do período restaram poucas evidências. Uma idéia de como eram as fábricas de açúcar da região nos fins do século 18 e primeiras décadas do 19 pode ser inferida a partir das construções, apesar de posteriores, existentes na fazenda Vassoural  (Engenho Vassoural) em Itu.
Em Porto Feliz,  das sedes de fazendas destacam-se a da Fazenda do Moinho e o Engenho D’água. A sede da Fazenda Engenho D’água foi construída em 1858, quando era seu proprietário Antônio Paula Leite de Barros. A denominação da fazenda se deve à existência, naquela altura, de um pequeno engenho tocado à água.  O proprietário era um grande plantador de cana-de-açúcar e   foi um dos acionistas da Companhia Açucareira de Porto Feliz, empresa que em 1878 colocou em funcionamento o Engenho Central de Porto Feliz.
O casarão de grandes dimensões  apresenta uma pavimento inferior, que acompanha toda a extensão da construção. Esse pavimento inferior, com piso de terra batida,  era usado como depósito de mantimentos, ferramentas, utensílios  agrícolas, e arreios.
A parte superior, com assoalho de madeira,  era o espaço da moradia isolada. Uma grande sala central de entrada, a chamada “sala da frente”,  própria das casas do tempo do açúcar,  dava acesso aos dormitórios e locais de serviço doméstico, incluindo a cozinha. Uma parcela das atividades de preparação dos alimentos era realizada fora da casa, em um puxado pegado à casa e munido de fogão e forno e aparelhagem para o fabrico de farinha de milho ou de mandioca. Nos locais de serviço doméstico se fazia o queijo e se guardava os gêneros. A cozinha era uma vasta dependência, provida de fogões, grandes mesas, pilões, potes de água, tachos de cobre.
No centro da planta, as alcovas. Antigamente denominadas “camarinhas”, as alcovas foram aperfeiçoadas e profusamente adotadas do século 18 em diante, principalmente nas casas urbanas. Mas, verdadeiro contra-senso, foram adotadas na roça, onde não havia problemas de espaço. A tradição identifica  as alcovas como o lugar ideal de dormir, onde o recato e a segurança se aliavam salvaguardando a intimidade. Eram cubículos estanques sem ar e luz diretos, onde as lamparinas dos oratórios e candeias a óleo de algodão se encarregavam de aquecer e viciar a atmosfera enclausurada, como afirmou o arquiteto Carlos Lemos em estudo sobre a arquitetura tradicional paulista.
Olhando do lado externo,  o casarão apresenta fachadas simétricas, com todas as janelas e porta alinhadas. A fachada principal apresenta três janelas de um lado e quatro do outro, e uma ornamentação simples, de forma a permitir diferenciá-la das demais fachadas. A escada de acesso  ao pavimento superior sobe paralela à sua fachada principal, levando a uma porta de entrada no meio da construção.
Com o passar do tempo o casarão sofreu diversas intervenções, que modificaram a distribuição e o uso dos cômodos internos. A senzala, próxima da construção principal, cedeu espaço às pequenas casas de colonos. As “casinhas”,  privadas masculina e feminina que não tinham sistema de esgoto, e  o primitivo moinho, o “engenho d’água”, desapareceram. Durante algum tempo a fazenda Engenho D’água forneceu cana ao Engenho Central. Mais adiante suas terras e a sede foram incorporadas à Société de Sucrèries Bresiliennes,  com sede em Paris, que adquiriu o antigo Engenho Central e o transformou em moderna usina de açúcar. 
Atualmente, a velha sede da Engenho D’água, exemplar típico da arquitetura do açúcar na bacia do rio Tietê, pertence à União São Paulo. Trata-se de construção que merece ser preservada  por seu valor arquitetônico (um dos poucos exemplares remanescentes da arquitetura do açúcar em nossa região) e histórico (testemunho arquitetônico de um período da formação social, cultural e econômica Porto Feliz). Além disso, é um referencial simbólico da cidade do mais alto significado. Quem em Porto Feliz não se vale do Engenho D’água como ponto de referência (de orientação geográfica, de recordação sentimental, de “estilo de casa”, de indicação de local de trabalho etc.)
O levantamento exaustivo   das arquiteturas do açúcar na região foi realizado pelo arquiteto Júlio Roberto Katinsky, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,  dentro de um projeto       de identificação dos remanescentes de engenhos de açúcar da primeira fase da instalação dessa indústria no planalto paulista. O levantamento identificou os alambiques em torno de Cabreúva e as fazendas em torno de Itu e Porto Feliz e Salto, nas margens direita e esquerda do Tietê.


O sistema de engenho-central

Na primeira metade do século 19, um século de tantas novidades tecnológicas,  há de se notar que a cultura da cana e o fabrico do açúcar na região, bem como no resto do país,  ainda se processavam com base em técnicas antiquadas. Tanto assim que o uso do arado na fazenda do Marques de Monte Alegre,  nas proximidades de Capivari,  despertou a atenção de J. J. von Tschuddi. Ao registrar o fato no seu diário de viagem, justificou  sua menção “porque este instrumento agrícola é quase desconhecido em toda a Província, embora a configuração do terreno se preste muito bem a seu uso”.  Apesar dessa observação, cabe lembrar que o marechal Pedro Daniel Muller faz referência ao uso do arado nas proximidades das vilas de Porto Feliz, Itu e São Carlos [Campinas] no Quadro Estatístico da Província de São Paulo , relativo a 1836/1837.  Outro viajante da  segunda metade do século 19, Augusto Emílio Zaluar,  enxergou um estado de decadência em Porto Feliz naquele tempo. Segundo ele, existia um conjunto de circunstâncias favoráveis ao progresso do povoado: clima ameno e sadio e fertilidade do terreno, bom para o cultivo de café, cana-de-açúcar, chá e fumo. Zaluar entendeu a decadência do lugar como resultado da falta de trabalhadores na lavoura e em decorrência do estabelecimento de uma nova rota para as monções cuiabanas, que no século 18 partiam do antigo porto de Araritaguaba. A população de Porto Feliz, que na primeira metade do século 19 chegara a 11.000 habitantes, em 1860 estava reduzida a 7.000 habitantes, divididos em 5.000 livres e 2.000 escravos. O comércio nessa mesma época era insignificante, segundo Zaluar: algumas tabernas e umas poucas lojas de fazendas e armazéns.
Na área do fabrico é interessante  ressaltar a iniciativa de João Tibiriçá Piratininga, que por volta de 1850  encomendou na Europa um moderno equipamento destinado à fábrica de açúcar da sua fazenda em Indaiatuba. Porém, não se tem notícia dos resultados da sua experiência, nem mesmo se de fato ela foi efetivada.
Produzido assim com técnicas ultrapassadas, o açúcar brasileiro não era páreo para o açúcar porto-riquenho, cubano  ou filipino no mercado norte-americano e muito menos para  o açúcar de beterraba nos mercados europeus. Chegou-se a conclusão que era impraticável a continuidade do velho sistema de engenhos isolados. Surgiu então a proposta renovadora do sistema de engenhos centrais. Nesse sistema,  o engenho-central deveria ser uma grande unidade de produção, separada da área agrícola e equipada com maquinaria moderna, e dentro da fábrica  deveria ser proibida a exploração do trabalho escravo. O sistema de engenho-central respondia a necessidade de adaptação da fabricação do açúcar  à passagem do trabalho escravo ao trabalho livre. O seu aparecimento revolucionou os meios de produção e promoveu o uso de estradas-de-ferro, com a substituição do transporte animal pelo transporte à vapor. O primeiro a ser implantado no Brasil foi o Engenho Central de Quiçamã, no município de Macaé, Rio de Janeiro. Por sua vez, o primeiro da então província de São Paulo foi o Engenho Central de Porto Feliz, que foi inaugurado a 28 de outubro de 1878.
O projeto e a construção do Engenho Central de Porto Feliz coube à Companhia Açucareira de Porto Feliz, uma sociedade organizada por Joaquim Carlos Travassos, Bernardo Avelino Gavião Peixoto, Augusto Fomm, José Manuel de Arruda Alvim, Luís Antônio de Carvalho, Delfino Antônio de Carvalho e Antônio de Paula Leite de Barros.  O grande edifício do novo engenho tinha a forma de cruz, sendo cada asa apropriada a uma fase da produção do açúcar, como às moendas e às casas de caldeira, purgar e destilar. Essa planta em cruz teve uma certa aceitação em várias regiões açucareiras. Ruy Gama, estudioso da arquitetura e tecnologia do açúcar, alertou para o fato de a planta adotada ser uma planta internacionalizada, como o são as máquinas e aparelhos do engenho. Mas parece ser a última das plantas propostas para o engenho, “permitindo que o proprietário, postado na intersecção dos braços da cruz, vigiasse pessoalmente todos os trabalhos”, como grifou Ruy Gama,  inspirado em Michel Foucault , de Vigiar e punir. 
O Engenho Central de Porto Feliz foi absorvido em 1907 e totalmente remodelado pela Société de Sucrèries Bresiliennes. A nova usina resultante dessa intervenção produziu açúcar e álcool  até 1991, ano no qual foram encerradas suas atividades mais que centenárias.  As imponentes ruínas que se vêem hoje, às margens do Tietê, pouco tem a ver com a construção pioneira de 1878.

Jonas Soares de Souza
Museu Paulista  -  USP

As rodovias paulistas e as monções setecentistas



As rodovias paulistas e as monções setecentistas (*)


Estrada dos Romeiros, Rodovia do Estado, Estrada da Gruta, Estrada de Cabreúva, e outras tantas foram as denominações dadas popularmente ao longo do tempo para o trecho Itu - Cabreúva da Rodovia São Paulo - Mato Grosso, aberta ao público no dia 01 de maio de 1.922. Com essa inauguração completava-se o setor considerado o mais importante da rodovia de noventa e sete quilômetros de estrada - tronco que ligava São Paulo a Itu, e era considerada marco na implantação da malha rodoviária paulista.
A estrada estava incluída em um projeto de quase uma década. Em 1.913, o governo de São Paulo chefiado pelo conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves (quadriênio 1912-1.916) encomendara a elaboração de um "Plano de Viação" para o Estado. A tarefa seria executada sob coordenação do engenheiro Clodomiro Pereira da Silva. Na mesma época, o então deputado estadual Washington Luís Pereira de Sousa, mais tarde famoso como autor do lema "governar é abrir estradas", em documento dirigido ao Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Paulo de Morais Barros, ressaltava a importância da abertura de novas rodovias e dizia que, em relação ao automóvel, "sabendo que esse veículo não é um concorrente perigoso da estrada de ferro, e é antes um auxiliar indireto, devemos concluir que fazer boas estradas, para todo o ano, que permitam o trânsito de automóveis, é um dever geral, neste momento de progresso da Viação".
No mesmo ano de 1.913 sancionou-se a Lei 1406, datada de 26 de dezembro, estabelecendo o regime penitenciário no Estado. Em seu artigo 6º essa Lei permitia que, enquanto não estivesse concluída a Penitenciária do Carandiru, os condenados trabalhariam de preferência na abertura, construção e conservação de estradas públicas de rodagem. A mesma Lei, em seu artigo 16, autorizava o governo a estabelecer o sistema de Viação do Estado em relação a estradas públicas de rodagem.
Durante o seu mandato como prefeito de São Paulo (1.914) Washington Luís já tinha traçado um grande programa rodoviário. O programa preocupava-se basicamente com as saídas do município, visando o futuro aproveitamento dos cinco troncos estaduais previstos nos Planos de Viação: 1. São Paulo - Rio de Janeiro, 2. São Paulo - Minas Gerais, 3. São Paulo - Mato Grosso, 4. São Paulo - Paraná e 5. estradas do litoral sul.
Ao assumir o governo paulista, Altino Arantes Marques (quadriênio 1.916/1.920) encontrou a questão rodoviária bastante amadurecida, e em seu mandato deu andamento a diversas obras. Entretanto, somente no governo de Washington Luís (quadriênio 1.920/1.924) é que o rodoviarismo ganhou notável incremento. É por isso que ele pode comemorar o primeiro aniversário de seu governo com a inauguração, a 01 de maio de 1.921, da estrada São Paulo - Campinas, cuja construção tinha sido iniciada em 1.9l6 sob os auspícios da Lei 1.406. A partir de então, tomaram-se medidas concretas para o estabelecimento de um plano definitivo de construção e conservação de estradas, criando-se, através da Lei 1835-C de 26/12/1.921, a Inspetoria de Estradas de Rodagem, subordinada à Diretoria de Obras Públicas da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, e uma brigada de empreiteiros para o desempenho das tarefas de construção e conservação.

O caminho das monções

Nessa época retomaram-se os trabalhos de construção da São Paulo - Mato Grosso, que estavam paralisados. Para Washington Luís, a rodovia resgatava o caminho das Monções setecentistas, antigamente percorrido nas "estradas móveis" das águas dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Taquari e Paraguai. O termo monções, na sua origem árabe, significava época ou vento favorável à navegação. Incorporado ao vocabulário do País, passou a referir-se às expedições fluviais povoadoras e comerciais que partiam do antigo porto de Araritaguaba, às margens do Tietê, atualmente Porto Feliz, com destino às minas de ouro nas cercanias de Cuiabá. Apesar de no século 18 ter sido feita a abertura de comunicação terrestre com essa região, na realidade, porém, enquanto perdurarem as grandes monções, ela nunca poderá ser muito mais do que um complemento do comércio fluvial. Se no movimento monçoeiro os rios foram imprescindíveis, eles não tiveram uma ação significativa sobre o movimento das bandeiras, como registrou Alfredo Ellis Júnior em O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano: " O Tietê, o velho Anhembi, que à primeira vista parece ter sido o grande caudal que determinou o Bandeirismo, foi desconhecido de grande parte do movimento".
Dois séculos depois da descoberta de ouro junto à barra do Coxipó - Mirim, em 1.718, por Pascoal Moreira Cabral, a Rodovia São Paulo - Mato Grosso retomava o antigo itinerário do movimento monçoeiro.

Estrada-monumento

O trecho Cabreúva - Itu da Rodovia São Paulo - Mato Grosso foi construído entre 1.920 e 1.922. "Uma estrada de rodagem, talvez a mais bela e bem acabada que existe no Estado de São Paulo, vai ser inaugurada justamente no dia em que se verifica o segundo aniversário do atual governo", dizia o jornal República, de Itu, na edição de 30 de abril de 1.922.
O traçado da nova estrada acompanhava, na margem oposta do Tietê, quase que o mesmo traçado da antiga "Estrada do Imperador". Nos séculos 18 e 19 através desse caminho era transportado para São Paulo e Santos, em lombo de burros, a produção ituana de açúcar e café . Isto perdurou até a construção da Estrada de Ferro Ituana, que seria inaugurada em 1.873. A abertura do trecho foi um trabalho difícil. A picada na mata surgiu a golpes de facões e machados. O braço humano escavava à picareta a encosta íngreme e carregava as carrocinhas basculantes transportadoras de terra. A beleza do leito acidentado do Tietê acabou sendo revelada durante a construção da nova estrada, que pouco a pouco ganhava forma. Washington Luís estava tão interessado nas obras que as inspecionou pessoalmente no dia 18 de fevereiro de 1.922. O tamanho da comitiva que o acompanhou naquele dia dá conta da importância da obra para o governo. Com o presidente do Estado estava o seu ajudante de ordens, major Afro Marcondes; o secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Heitor Penteado; o deputado federal Carneiro da Cunha; o diretor das Obras Públicas, Alfredo Braga; o presidente da Associação Permanente de Estradas de Rodagem, Antônio Prado Júnior e o engenheiro da Diretoria de Obras Públicas, Cássio Vidigal. No ponto em que marcava o estágio mais avançado das obras a comitiva presidencial encontrou-se com o engenheiro fiscal da construção da ponte sobre o Tietê, Paulo Dutra da Silva, e com autoridades do município de Itu. Finalmente, a 01 de maio de 1.922 Washington Luís inaugurou a estrada, comemorando com pompa o aniversário do segundo ano de mandato. O próximo trecho, de Itu a Porto Feliz e Tietê, seria inaugurado no ano seguinte, em 1.923.
No seu governo Washington Luís desenvolveu um extenso programa comemorativo do centenário da Independência (1.822/1.922). Estudioso da História de São Paulo e autor de livros e artigos sobre o assunto, ele tinha como projeto privilegiado a idéia de realçar o papel dos paulistas na construção da Nação. Na estrada Vergueiro (São Paulo - Santos), ao longo da serra, construiu-se uma série de monumentos com tríplice finalidade: celebrar o centenário da Independência (1.822/1.922); lembrar permanentemente aos passantes o "esforço hercúleo dos paulistas" desde a época colonial até aos nossos dias para estabelecer a ligação entre o litoral e o planalto central; e servir de abrigo para os viajantes. Quatro monumentos principais foram então projetados pelo arquiteto Victor Dubugras: Cruzeiro Quinhentista; Marco de Lorena; Rancho da Maioridade e Pouso de Paranapiacaba
Por sua vez, a rodovia São Paulo - Mato Grosso, especialmente o trecho entre São Paulo e Porto Feliz, poderia também rememorar a importância dos paulistas na conquista e formação do território nacional. Em sua última fala pública, em Itu no ano de 1.955, Washington Luís de certa forma deixou patente esta dimensão da estrada: "E esta de Itu é a celebrada estrada, que partida de São Paulo, chegava ao antigo porto de Araritaguaba e ia a Mato Grosso, esse Mato Grosso onde a audácia e a perseverança da gente paulista foram descobrir as minas de ouro de Cuiabá, que enriqueceram a metrópole de então, e, sobretudo, alargaram a capitania de São Vicente, fazendo alongar para oeste imensamente as fronteiras do território brasileiro".
Para o trecho Cabreúva - Itu, que desde a sua inauguração já era considerado como o "mais belo", Washington Luís idealizou e mandou construir muradas, mirantes e bancadas. Não eram monumentos como aqueles construídos pelo arquiteto Victor Dubugras ao longo da serra. Mas eram recursos que tinham a finalidade de facilitar aos passantes a visão de um monumento natural muito maior: o Tietê e os portentosos jequitibás das margens do lendário rio. Nos mirantes o viandante poderia ver o Tietê como a "estada móvel" que conduzira os paulistas ao coração do país e o jequitibá como o símbolo da magnitude do PRP - "É verdade que o Partido Republicano Paulista não proclamou a República; mas amparou, ajudou a constituição e o seu funcionamento. Desse partido foram membros os maiores dentre os maiores homens que trabalharam durante o regime republicano no Brasil", afirmaria mais tarde Washington Luís.
Prosseguindo o caminho, a poucos quilômetros de Itu o viajante alcançaria Porto Feliz, às margens do Tietê. Nas proximidades do antigo porto geral da velha Araritaguaba, um vistoso monumento em mármore rosa, executado em 1.920 pelo escultor Amadeo Zani, o lembraria das fantásticas expedições fluviais do século 18 e da constante motivação do homem para vencer distâncias, descobrir o desconhecido e construir o novo.

(*) Jonas Soares de Souza – professor, historiador da USP.