sexta-feira, 29 de abril de 2016

Colégio de Nossa Senhora Mãe dos Homens de 1872

Porto Feliz Escravidão

Quilombo em Porto-Feliz


O município de Porto-feliz reclama para seos habitantes medidas propostas
ide segurança e tranqüilidade. De certo tempo a esta parte diversos
quilombos se hão formando dentre desse termo. (...). Com sobeja rasão os
ânimos vivem ali preocupados, sob a influência de verdadeiro pânico, pois
que para que o estado actual de nossa sociedade não há maior perigo do que
a existência de semelhantes covis. A ultima recente sessão do Jury nessa
localidade forneceo uma grande amostra das tristes peripécias, desastres e
crimes, que como inevitável e fatal conseqüência resultão de refúgios taes!
(..). Os signaes e vestígios encontrados mostram que houve ali por longo
tempo grande aglomeração de negros fugidos de Capivary, Piracicaba e
outros pontos. Vivião tão senhores de seo esconderijo, que nada lhes faltava:
tinhão armas para a defesa, animais, cultivados, etc. Entregues a sua
ferocidade, e aos seos funestos instintos, elles assinalaram o logar do rancho
com varias sepulturas, que afinal foram descobertas, sabendo a justiça quaes
as victimas atrozmente assassinadas. Na funesta emboscada; ai de quem se
aproximasse e apparecesse, porque a horda bárbara precipitava-se, e mais
um cadáver fasia. Foi preciso que alguns senhores, que com certeza que ali
encontravam escravos seos, formassem comitivas e ao logar se dirigissem.
(...). Como este quilombo, acredita-se na existência de outros, eis porque, se
na cidade os moradores não dissimulão o receio de qualquer ataque, com
muito mais rasão vivem aterrados aquelles que com suas famílias morão no
sitio.22
O jornalista não menciona o número de escravos existentes no quilombo de Porto-feliz.
Infelizmente, a documentação produzida pela sessão do júri que o jornal aponta, não foi
encontrada.

22 “Quilombo em Porto-feliz”. In: O Ytuano, Ano I, N.15, 30/03/1873. p.1
 Capelas de Porto Feliz
















O Araritaguaba, o primeiro jornal de Porto Feliz

MOTA, Cândido 


Cândido Nazianzeno Nogueira da Mota  nasceu em Porto Feliz (SP) em 9 de maio de  1870,  filho  do  educador  Fernando  Maria  Nogueira  da  Mota  e  de  Mariana  Francisca  da  Mota. Seu primo Cesário Mota foi deputado federal por São Paulo de 1891 a 1899.
Quando  ainda  era  menino  a  família  mudou-se  para  Capivari  (SP),  e  aí  estudou  humanidades  com  o  pai.  Em  1888  matriculou-se  na  Faculdade  de  Direito  de  São  Paulo  e em 1891 formou-se em ciências jurídicas e sociais. Seguiu carreira jurídica, como promotor público em Amparo (1892-1896) e na capital do estado (1896). No governo Campos Salesem  São  Paulo,  foi  nomeado  segundo  delegado  de  polícia  da  capital  (1896-1897).  Foi também  professor  substituto  de  direito  criminal  da  Faculdade  de  Direito  de  São  Paulo  de 1897   a   1908,   na   vaga   deixada   por   Severino   Prestes,   passando   depois   a   professor  catedrático. 
Obteve  o  primeiro  mandato  em  1898,  quando  foi  eleito  deputado  estadual  pelo 
Partido  Republicano  Paulista  (PRP)  para  a  legislatura  1898-1900.  Integrou  então  as 
comissões  de  Instrução  Pública  e  de  Justiça,  Constituição  e  Poderes  da  Câmara  Estadual. 
Reeleito para o período 1901-1903, continuou membro desta última. Foi figura de destaque
no   Legislativo   paulista,   tendo   participado   intensamente   dos   debates   e   apresentado  
numerosos  projetos,  entre  eles  o  do  “Instituto  Educativo  Paulista”,  que  deu  origem  à  lei 
estadual nº 844, de 10 de outubro de 1902, criando o Instituto Disciplinar de São Paulo. O
instituto, instalado em 1903 no bairro do Tatuapé, na capital paulista, veio operacionalizar
preceitos  legais  estabelecidos  no  Código  Penal  de  1890,  que  previam  a  inimputabilidade 
criminal  da  criança  e  seu  recolhimento  em  estabelecimento  disciplinar.  Cabia-lhe  “incutir 
hábitos  de  trabalho  e  educar,  fornecendo  instrução  literária,  profissional  e  industrial, 
especialmente agrícola, a menores vadios, vagabundos, abandonados e viciados”. A lei deu
origem a vários estudos sobre segurança e trabalhos biográficos sobre Cândido Mota.
Em 1906 foi eleito vereador na cidade de São Paulo, mas no ano seguinte ganhou novo   mandato   de   deputado   estadual,   na   legislatura   1907-1909.   Nesse   período   teve participação  ativa  nos  debates  sobre  a  reforma  da  Constituição  do  Estado  de  São  Paulo, concluída em 1908. Foi também delegado oficial do Brasil no I Congresso Científico Pan-Americano,  realizado  em  Santiago,  no  Chile  (25/12/1908  a  5/1/1909),  sobre  o  qual publicou   relatório.   Participou   ainda   do   I   Congresso   Jurídico   Brasileiro,   integrando  comissão  que  representou  a  Faculdade  de  Direito  de  São  Paulo.  Publicou  diversos  artigos em jornais, como jurisconsulto.  
Em 1909 foi eleito deputado federal para a legislatura 1909-1911 e, depois, reeleito para o
período 1912-1914. Na Câmara dos Deputados participou de várias comissões, entre elas a
comissão  especial  de  Justiça  Militar, na  qual  foi  relator  geral  do  projeto  de  reorganização 
da  Justiça  Penal  Militar.  Ainda  integrou  as  comissões  de  Instrução  Pública  e  de  Poderes. 
Tratou da Campanha Civilista, da intervenção no estado do Rio de Janeiro e do “problema
siderúrgico”,   e   em   dezembro   de   1912   foi   nomeado   membro   da   comissão   especial  
encarregada  da  elaboração  de  um  projeto  de  Código  Penal  Militar.

Secretario da Agricultura

Foi  reeleito  mais  uma  vez,  para  a  legislatura  1915-1917,  mas  em  maio  de  1916  renunciou  ao  mandato  para assumir a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, no governo de Altino Arantes.
Durante sua gestão, apresentou relatório onde já destacava a necessidade urgente de realizar
obras no rio Tietê para combater as enchentes e os despejos residuais. 
Em  29  de  abril  de  1922,  foi  eleito  senador  estadual  com  mandato  até  1928.  Foi  escolhido  primeiro-secretário do Senado Estadual e integrou a Comissão de Redação. Desde 1920, o antigo  povoado  de  Parada  do  Jacu,  no  oeste  do  estado,  então  elevado  à  categoria  de  vila,  passara  a  se  chamar  Cândido  Mota,  homenagem  prestada  pelo  amigo  e  fundador  do  povoado,  coronel  Valêncio  Carneiro  de  Castro.  Em  1923  a  vila  foi  transformada  no  município de Cândido Mota. 
Faleceu em São Paulo no dia 16 de março de 1942.  Era casado com Clara do Amaral Mota, sua prima-irm

Associação Atlética Portofelicense


O ‘Canarinho da Terra das Monções’ foi Fundado no dia 25 de Janeiro de 1943. A sua Sede fica localizado na Rua Cesário de Motta, 138.

Os primeiros passos

Nos anos 1940, funcionários da Usina de Açúcar de Porto Feliz, a “Societé Sucrerie Brasiliennes“, de origem francesa, juntamente com outros esportistas porto-felicenses, sentiram a necessidade de se organizar para a prática de atividades esportivas e, comandados por lideranças da comunidade portofelicense, iniciaram as primeiras reuniões, tendo como ponto de partida a aprovação dos estatutos.
A eleição da primeira diretoria e a aquisição do terreno situado na então Rua 13 de Outubro (atual Rua Cesário Mota), terreno medindo 16.472,00 metros quadrados, de propriedade do casal Antonio Gibim e Rita Baus Gibim, local onde se encontra hoje o Estádio Dr. Julien Fouque.
A compra do terreno foi a prazo e o pagamento realizado através de arrecadações feitas entre os simpatizantes da recém-formada entidade, e assim, oficialmente em 25 de janeiro de 1943, nasceu a Associação Atlética Portofelicense, que adotou inicialmente o áureo-negro.
Após o pagamento total do terreno, em 25 de julho de 1945 foi lavrada a escritura definitiva, que se encontra registrada em nome da Associação Atlética Portofelicense, no livro 3 Q, número 4.632, fls. 121 do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Porto Feliz  (SP), exato momento em que o clube se encontrava em plena atividade, participando de todas as competições locais e regionais, e obtendo resultados que já desenhavam sua caminhada vitoriosa no esporte.

 Em 1948, debuta no profissionalismo

No ano de 1947 foi criada pela Federação Paulista de Futebol a Segunda Divisão de Profissionais, sendo a Associação Atlética Portofelicense convidada para de ela fazer parte como fundadora. Em 1948, e nos anos seguintes, Porto Feliz teve o privilégio de ver desfilar no Estádio Dr. Julien Fouque, pelo Campeonato Paulista, as equipes profissionais da Ponte Preta, Guarani, São Caetano Esporte Clube, e outras tradicionais do interior paulista, bem como Palmeiras, Corinthians, Juventus e muitos outros clubes de expressão das divisões principais de São Paulo e outros estados, em jogos amistosos.
No Campeonato Paulo da Segunda Divisão (atual A-2), foram três participações: 1948, 1949 e 1950. Já no Paulistão da Terceira Divisão (atual Série A-3) estiveram presentes em 11 oportunidades: 1954, 1955, 1956, 1957, 1958, 1959, 1964, 1965, 1966, 1967 e 1968. E, por fim, na Quarta Divisão (atual Série B) outras quatro: 1960, 1961, 1962 e 1963.
Em sua trajetória, a Associação Atlética Portofelicense sempre participou de todas as atividades para as quais era convidada, e em inúmeras vezes ou por sua própria iniciativa, participava de eventos locais, regionais, estaduais e até mesmo nacionais.
 Participou da fundação da Liga Portofelicense de Futebol no ano de 1955, tendo conquistado oitenta por cento dos campeonatos realizados até a presente data, sagrando-se por duas vezes Bicampeã de forma invicta.

 Título nacional amador

No ano de 1978, participando do campeonato brasileiro de futebol amador promovido pelo jornal A Gazeta Esportiva, Companhia de Cigarros Souza Cruz e Federação Paulista de Futebol, sagrou-se Campeã Nacional da Copa Arizona de Futebol Amador, feito esse que projetou não só o clube como também a cidade de Porto Feliz no cenário esportivo brasileiro, oportunidade em que enfrentou grandes clubes amadores do Brasil, vencendo com fortes equipes dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Goiás, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Norte e Piauí.

Cesário Nazianzeno de Azevedo Motta Magalhães Júnior .


Político brasileiro, Nascido em Porto Feliz em 5/03/1847. Falecido no Rio de Janeiro em 25/04/1897. Diplomado em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, foi grande propagandista da República, participando ativamente da campanha republicana.
Em 1877 foi eleito deputado provincial, integrando o triunvirato do primeiro governo republicano de São Paulo. Em 1890 elegeu-se Deputado Federal e participou da Constituinte de 1891. Remodelou a instituição pública do Estado, fundou estabelecimentos gratuitos de ensino, de nível médio e a Escola Política do Senado. Como higienista, promoveu o saneamento do porto de Santos e trabalhou pela extinção da febre amarela, combateu a cólera e a varíola.
Foi ainda Secretário do Interior no primeiro governo de Bernardino de Campos. Sobre Cesário Motta, encontramos também a seguinte nota: A Convenção de Itu foi a primeira convenção republicana, realizada na cidade paulista de mesmo nome, com representantes republicanos das classes conservadoras de várias cidades paulistas. Na convenção, foi aprovada a criação de uma assembléia de representantes republicanos e eleita uma comissão que designaria os negócios do partido. Participaram 133 convencionais, sendo 78 cafeicultores e 55 de outras profissões. 
A assembléia de Itu revestiu-se de excepcional solenidade, cujas deliberações ecoaram por todo o Brasil, conclamando os espíritos para a campanha liberal, que culminaria com a implantação do regime republicano federativo. . Já em 1880, o teatro encontra espaço na cidade quando o Dr. Cesário Motta Júnior escreve a comédia "A caipirinha", com o enredo retratando a Capivari daquela época e levada à cena por alguns atores amadores daquela cidade. Cesário Motta Júnior, filho do médico Dr. Cesário Motta e de Clara Cândido Motta, nasceu em Porto Feliz, em 05/03/1847.
Ali iniciou seus estudos e depois foi para o Rio de Janeiro estudar medicina. Quando formado foi trabalhar em Capivari onde ficou até tomar-se deputado da Assembléia Constituinte, em 1891. Cesário Motta Júnior tomou-se conhecido e querido na cidade de Capivari, não só como médico, mas também por exercer ativamente sua cidadania, lutando pelas áreas da educação e saúde, preocupando-se com a higiene e o bem-estar da população.  Foi um dos idealizadores e sócio-fundadores da Sociedade de Medicina de São Paulo e primeiro presidente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Considerado como um político que viveu muito à frente do seu tempo, Cesário Motta foi, talvez, o que mais se preocupou com a educação na história de nosso estado. E seu trabalho trouxe reflexos positivos na vida de São Paulo.  Cesário Motta remodelou a instrução pública do Estado de São Paulo e fundou a Escola Politécnica de São Paulo. .

Engenho Central de Porto Feliz 

(Usina de Açúcar)


Inaugurado em 28 de outubro de 1878, foi o primeiro Engenho Central do Estado de São Paulo e o terceiro do país.
Sua construção revolucionou a produção do açúcar em toda a região e contribuiu para consolidação de um importante ciclo da economia de Porto Feliz.
Funcionou durante mais de um século como uma unidade de produção da Companhia União São Paulo. Sofreu diversas transformações e foi desativado em 1991.
Por volta do final do século 19, o governo imperial brasileiro queria incentivar a criação de engenhos centrais de açúcar. Neste caminho, empresários franceses compraram usinas em Piracicaba, Porto Feliz, Villa de Raffard (Capivari), Lorena e Cupim (Campos, Estado do Rio).
Esses empreendedores enviaram a São Paulo, em 1903, o engenheiro de artes e manufaturas J. Piccard, ex-diretor de usina de açúcar de St. Julien (próximo a Troyes), com a incumbência de inspecionar as usinas brasileiras, fazer um projeto de melhorias técnicas e planejar futuras ampliações.
Deste trabalho surgiu, em 1907, a Societè de Sucreries Brasiliennes (Sociedade Brasileira de Açúcar), reunindo numa única empresa as seis usinas. Esta companhia exerceu, até 1960, liderança na produção do Estado de São Paulo, principalmente no que diz respeito à formação tecnológica, na ajuda e afirmação da liderança de São Paulo na produção de açúcar, e no domínio da manufatura e na pesquisa.
A tecnologia francesa, as marcas francesas e a nomenclatura francesa, passaram a ser comuns no linguajar dos brasileiros
Praça Cel Esmédio ontem e hoje 2

Chaminés lembranças

Centro ontem e hoje

Rua Jose Bonifacio ontem e hoje 2

PORTO FELIZ - HISTÓRICO


O RIO TIETÊ OFERECEU AOS DESBRAVADORES

UM PORTO SEGURO NA ROTA DO OURO


No ano de 1693, nas terras de Antônio Cardoso Pimentel, um povoado começou a se formar junto à margem esquerda do Rio Anhemby (atual Tietê), num ponto distante pouco mais de 100 Km de São Paulo. O local era conhecido como “Araritaguaba” (que significa: “lugar onde as araras comem areia”) – nome dado pelos índios guaianazes que habitavam a região, em virtude da freqüência com que bandos dessas aves bicavam um salitroso paredão ali existente. O povoamento teve início quando o dono das terras resolveu habitá-las, juntamente com seus familiares e empregados, numa época em que vários sertanistas decidiram abandonar o Bandeirismo pela Agricultura. Era uma comunidade simples, que cultivava o solo apenas para a sua subsistência. No entanto, quando a notícia da descoberta de ouro em Mato Grosso (1719) e Goiás (1725) espalhou-se pelos quatro cantos, a movimentação no vilarejo e o seu conseqüente progresso foram inevitáveis. Por sorte, ele havia-se desenvolvido em torno de um estratégico porto natural junto ao primeiro trecho navegável do rio depois de Salto. Um local que serviria de ponto de partida, ainda no século XVII, de inúmeros bandeirantes, em busca das riquezas anunciadas. No século XVIII, partiriam também as famosas monções – expedições comerciais e científicas. Todos se aventuravam pelo grande manancial, repleto de perigosas corredeiras e obstáculos, rumo ao desconhecido oeste. As fronteiras do Brasil-Colônia, ainda bastante limitadas pelo Tratado de Tordesilhas, começaram desse modo a expandir-se, tendo início um processo de crescimento que, apoiado também sobre outros fatores ao longo da História, levou o País a chegar ao que é hoje territorialmente: o quinto maior do mundo. Daí se vê a importância do tal porto de Araritaguaba – que também era conhecido como o “porto feliz”, cujos moradores chamavam a atenção por sua alegria e hospitalidade, principalmente quando as expedições fluviais retornavam, ocasiões estas em que havia não pequena comemoração.
Referências Anteriores
Em 1628, antes do povoamento, o capitão general do Paraguai, D.Luiz de Céspedes Xeria, realizou uma viagem ao seu país utilizando-se do Rio Anhemby, conforme ele próprio explicou em relatório ao Rei Felipe IV. A expedição fez uma parada num certo local, abaixo do Salto de Itu, onde 50 escravos e mais alguns criados dedicaram um mês na construção de três canoas. Tudo indica que foi nesse local, à margem esquerda do Anhemby, que Antônio Cardoso Pimentel, natural de São Paulo, daria início ao povoamento de suas terras, para as quais se dirigiriam logo em seguida várias famílias, como a de Antônio Aranha Sardinha, natural de Santos.
Monções
De origem árabe, a palavra monção significa “estação do ano em que se dá determinado fato”. No Brasil, o termo deu nome às grandes expedições fluviais que se realizavam no século XVIII com destino às terras do Oeste, após a descoberta das minas em Cuiabá (MT). Eram organizadas entre os meses de abril e setembro, época considerada mais propícia.

Existiam dois tipos de Monções: As Reiunas (ou Oficiais) e as Particulares.

Reiunas, ou Oficiais – eram organizadas pelo Governador, com o fim de transportar forças militares e autoridades administrativas. A mais célebre foi a do governador Rodrigo Cézar de Menezes. Partiu do porto de Araritaguaba para Cuiabá (MT) em 1726, com 308 canoas e cerca de 3 mil pessoas.

Expedições particulares – de iniciativa privada, objetivavam o comércio com as zonas de mineração. A última Monção particular de que se teve notícia em Porto Feliz foi a de Fermino Ferreira. Seu fim se deu frente à dificuldade das cachoeiras e corredeiras. Com o tempo, passaram-se a utilizar novos caminhos, à medida que o ouro de Cuiabá e Goiás ia-se tornando raro.

Partida e volta de uma monção

A Partida


O dia de partida de uma Monção era sinônimo de grande movimentação e festa em Araritaguaba. Desde o clarear do dia, canoas e batelões recebiam os carregamentos a serem utilizados durante a viagem e vendidos nas minas. Constituíam-se de alimentos não-perecíveis, como: farinha de milho e mandioca, feijão, toucinho, sal e carne salgada; barris de aguardente produzida na terra; armamentos e munições.

Tarefas cumpridas, piloto, proeiros, remadores, soldados, escravos e outros passageiros aguardavam em seus postos a chegada dos bandeirantes chefes e o momento de partir.

O desejo de enriquecimento rápido e o espírito de aventura pareciam lhes furtar, por alguns instantes, a distância a ser vencida, os rios a transpor, a ferocidade dos índios e tantos outros sofrimentos à sua espera. Antes da partida, todos recitavam uma ladainha, sucedida pela benção final do sacerdote.

Momento de partir: todo o povo concentrado no porto. Tiros eram dados, rufavam os tambores. Uma a uma, as canoas iam descendo o grande rio, tremulando bandeiras coloridas. À sua frente, 3500 Km de águas para superar, dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Coxim, Taquari, Porrudos e Cuiabá, até atingirem a região das minas de ouro. O trecho mais difícil era a subida do Rio Pardo, onde se gastavam até dois meses. Nas cachoeiras, as canoas desciam seguras, amarradas por cordas, e as cargas, sobre os ombros dos tripulantes.

A Volta


Passavam-se meses... De repente, um tiro de arcabuz rompia o silêncio de um vilarejo aparentemente deserto. As casas de Araritaguaba davam sinal de vida. Todas as atenções voltavam-se para o grande rio. Era uma Monção que vinha chegando de Cuiabá. O povo se dirigia rapidamente ao Porto, com grande inquietação e expectativa pelo retorno ou, ao menos, notícias de entes queridos.

No dia seguinte, o povoado amanhecia movimentado. Com a descarga das canoas no Porto, Araritaguaba, pobre e quieta, tornava-se por alguns dias rica e agitada. O ouro corria como dinheiro e, com grande facilidade, eram gastas as riquezas adquiridas com tanto sofrimento.

O Batelão


Batelão era a embarcação utilizada nas expedições (fundamentalmente, a piroga indígena), fabricada de um tronco só de Peroba ou Ximbúva, madeiras muito resistentes.

Esse canoões tinham 1,65 m de largura, 12 m de comprimento, 1,15 m de profundidade e sua espessura, 0,67 m. Acomodavam cerca de 90 sacos de mantimentos.

Os aperfeiçoamentos introduzidos se limitavam à utilização de juntas de ferro e cobertura de lona para proteção contra chuvas.

A tripulação era composta pelo piloto, contra-piloto, proeiro e 5 ou 6 remeiros. Esses canoões tinham extremidades na proa, para os remeiros, e outra na pôpa, para o piloto.

Numa Monção, a canoa maior servia de guarda e guia, levando na pôpa uma bandeira com as armas portuguesas.

Obs: no Parque das Monções, existe um exemplar dessa embarcação (foto). Na verdade, a terça parte dela; outro terço está no Museu Paulista. Quanto à outra parte que falta, fora extraída em alguma época por algum fazendeiro para servir de cocho na alimentação de animais, destino dado a muitos outros batelões com o passar do tempo.
Visita Imperial – 30 de abril de 1846
Texto de José Francisco Leite:
Chegou a esta Vila a participação oficial da chegada de Sua Majestade Imperial à Capital da Província, reuniu-se a Câmara Municipal e publicou , por editais , tão faustosa notícia.

No dia 22 pela manhã, muito cedo, o esquadrão da Guarda Nacional foram encontrar S.M.I., bem como as autoridades locais e mais cidadãos, todos vestidos decentemente, tendo a notar-se que nem um só do partido oposiocionista (com exceção do Vigário) se dignou ir encontrar S.M..

Daí passaram a acompanhar S.M. até a esta Vila, onde entraram às 10 horas do dia 22 de março debaixo de estrondosas bombas, rojões. Foi hospedar-se na casa do Ten. Cel. Arruda , que estava ricamente adornada. Ali foi S.M. recebido pela Guarda Nacional de Infantaria, comandado pelo Capitão José Dias de Toledo.

Sua Majestade decidiu às 16:00 horas dar um passeio pela Vila sem que se soubesse coisa alguma de tal pretensão. Saiu S.M. com pequeno acompanhamento, que a poucos passos já era numeroso, e descendo pelo pátio da Matriz abaixo, passou pela rua que vai para Penha; Dali desceu para o Porto Geral (no Parque das Monções) e , em seguida , ao paredão onde S.M. mostrou que era muito inclinado às Ciências Naturais provando o gosto que tinha o pó do paredão.

A Vila tornou-se brilhante como nunca, grande número de famílias percorria as ruas. No dia 23 , às 6 horas da manhã, S.M. retirou-se inesperadamente , por isso não teve o acompanhamento que estava preparado, porém foi saudado por inúmeras salvas.
Largo da Penha
A História do Largo da Penha começou com o povoamento do Porto de Araritaguaba em 1693 por Antonio Cardoso Pimentel, seus familiares e lavradores das terras de sua fazenda.
Com a chegada dos novos moradores, Pimentel construiu, no ano de 1700, uma Capela e, por ser devoto de Nossa Senhora da Penha, deu este nome a ela.

O Largo foi crescendo, surgiram novas habitações ao seu redor, tornando-se muito movimentado após a descoberta do ouro em Cuiabá .Era nesse ponto do povoado que os Bandeirantes se concentravam para organizar suas Monções. Também se reuniam nesse mesmo lugar os comerciantes, ora para abastecer as expedições, ora formar as suas próprias – denominadas Monções Mercantis.

Contudo, a classe predominante no povoado era a dos trabalhadores agrícolas, que só iam ao vilarejo nos domingos e dias santos, fazendo de tais ocasiões as únicas de algum movimento nas ruas.

As cargas vindas de Cuiabá eram depositadas no Largo da Penha, para conferência e pagamento do imposto ao reino.

Foi nesse Largo que o Reino de Portugal mandou construir um prédio para Alfândega (atualmente, Restaurante do Belini), para arrecadar o imposto do quinto devido sobre o ouro obtido em Cuiabá.

Já no tempo do Império, a mando do Presidente da Câmara, foram construídas diversas “casinhas” para os produtores comercializarem suas mercadorias. A última “casinha” funcionou até 1924.

Em 1905, uma estrada de ferro pertencente ao Engenho Central cortava o Largo. A ferrovia estendia-se até a Colônia Rodrigo e Silva e era utilizada para transportar até o Engenho a cana de açúcar dos Colonos Belgas. Essa Via-Férrea teve pouca duração, porque trazia alguns problemas à cidade.
Formação Jurídica
Inicialmente, Porto Feliz pertenceu à comarca de São Paulo. Depois, à de Itu, com a criação desta, em 02 de dezembro de 1811. Vinculou-se mais tarde à comarca de Piracicaba, criada em 30 de março de 1858. Anos depois, em 30 de março de 1871, ficou novamente subordinada à comarca ituana, por força da Lei nº 39. Em 1874, com a implantação da de Capivari, a esta subordinou-se até 1880. Neste ano, criou-se a comarca de Tietê, que passou a ser a responsável por Porto Feliz.

Foi a Lei nº 8, de 07 de fevereiro de 1885, que finalmente criou a Comarca de PORTO FELIZ. A cidade, porém, continuou sem autonomia jurídica por mais cinco anos, período em que outra vez pertenceu à Comarca de Capivari. Somente em 1890 ganhou sua autonomia, com a nomeação do primeiro Juiz de Direito de Porto Feliz.

No século seguinte, pela Lei n º 2.456, de 31 de dezembro de 1.953, que instituiu o quadro territorial, administrativo e judiciário do Estado de São Paulo, o município ficou constituído por apenas um Distrito: o Distrito de Porto Feliz. Quanto à Comarca portofelicense, era formada pelos municípios de Porto Feliz, Boituva e Iperó, respondendo também pelo Distrito de Bacaetava.
Curiosidades Históricas
- A Primeira Semana das Monções foi criada em 1952;

- A Santa Casa de Misericórdia de Porto Feliz foi inaugurada em 1907;

- O primeiro piano de Porto Feliz foi trazido pelo Padre André Rocha em 1820, ele foi também o primeiro da Província de São Paulo;

- O terminal ferroviário ligando Boituva a Porto Feliz foi inaugurado pelo então Presidente Sr. Altino Arantes em 1920 e desativado durante o governo do Dr. Carvalho Pinto, no ano de 1960;

- A luz elétrica chegou a Porto Feliz em 1912;

- Em 1846 o Imperador D. Pedro II visitou Porto Feliz, hospedou-se no prédio que abriga o Museu da Monções;

- A primeira Loja Maçônica da Província de São Paulo foi inaugurada em Porto Feliz no ano de 1831;

- De Porto Feliz a Cuiabá as expedições se utilizavam de 19 rios e tinham que transpor 113 obstáculos entre Cachoeiras e Corredeiras e mais de 14 Km de terra no varadouro de Camapuã, sem contar as febres, a fome, os naufrágios e os índios que exterminavam expedições inteiras;

- Somente em 1910 é que Porto Feliz foi beneficiada com a instalação de água encanada, até então o abastecimento era feito através de chafarizes espalhados pela cidade.

- Viajantes estrangeiros e Historiadores brasileiros, fizeram das expedições que partiam de Porto Feliz objeto de pesquisas e escritos.
Datas Importantes
1693 - Os historiadores falam de um “Porto” à margem esquerda do Rio Tietê, de onde partiam as expedições para Cuiabá, no Mato Grosso; nessa data, também teve início o povoamento de Araritaguaba;

1700 - Torna-se mais freqüente a passagem por esse Porto dos exploradores que se destinam aos Sertões de Mato Grosso e Goiás, a procura das Minas de Ouro;

1700 - Antonio Cardoso Pimentel edifica uma Capela em Homenagem a Nossa Senhora da Penha;

1720/1770 - Período das Monções mais importantes;

1728 - Desmembrada de Itu, foi criada a Paróquia de Nossa Senhora da Penha de Araritaguaba;

1744 - Por provisão de 27 de novembro, é concedida licença para se construir uma nova Matriz, sob a invocação de Nossa Senhora Mãe dos Homens;

1750 - Aos 9 de outubro é solenemente inaugurada a nova Matriz. A partir desta data a Paróquia passa a denominar-se “Freguesia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Araritaguaba”... ;

1797 - a freguesia passa a se chamar “Paróquia de Nossa Senhora Mãe dos Homens de Porto Feliz”; que por Portaria de 13 de outubro a freguesia de Araritaguaba passa a categoria de Vila, com o nome de Porto Feliz;

1780/1830 - Expansão da lavoura canavieira: Araritaguaba torna-se um dos grandes centros açucareiros da Província de São Paulo;

1858 - No dia 16 de abril a Vila de Porto Feliz foi elevada a categoria de cidade.
Lei nº 8 de 07 de fevereiro de 1885, eleva Porto Feliz a Comarca;

1901/1907 = O Engenho Central torna-se propriedade da Societé de Sucreries Brésiliennes;

1906 - Circula “O Araritaguaba” , primeiro jornal de Porto Feliz;

1920/1924 - Inauguração do Monumento às Monções, Ramal Ferroviário, Gruta N. S. de Lourdes e implantação da fábrica de tecidos N. S. Mãe dos Homens;

1954 - Tem início grande reforma na Matriz;

(*) Não se conhece o motivo da mudança da Padroeira de Porto Feliz - de Nossa Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens. Sabe-se que foi por influência do Missionário Frei Angelo de Siqueira, Carmelita.
Anchieta e o Abaremanduaba
Afonso E. Taunay:
....”Já no século da descoberta, às águas do Tietê, ilustra-se um dos naufrágios do Taumaturgo (milagreiro) do Brasil.

Haviam ameaçado os “redemoinhos” de uma corredeira de tragar a Anchieta. Seu nome daí em diante para sempre relembraria o caso: Abaremanduaba, persistente na toponímia paulista.

Explica Juzarte: Em outro tempo, navegou por esta cachoeira um religioso da Companhia de Jesus, de virtude, chamado Padre José Anchieta, o qual andava catequizando aos índios, pregando-lhes missão, os quais vindo com ele em uma canoinha virara a embarcação no meio desta cachoeira largando ao Padre no fundo da mesma. Passado muito tempo, vendo que o padre não surgia acima, cuidando estaria já morto, mergulhou um dos índios ao fundo e achou-o vivo, sentado em uma pedra, rezando no seu Breviário e por isso ficou o nome a esta cachoeira de Abaremanduaba”.
Capitães-Mor de Porto Feliz
Os capitães-mor eram permanentes e exerciam as mesmas funções dos atuais delegados de polícia. No entanto, o seu poder era absoluto.

Eram oficiais da milícia, mas exerciam funções civis, sem outras restrições que não fossem os seus caprichos, limitados unicamente pelos dos capitães-generais, supremos governadores das capitanias, dos quais eram representantes nas vilas e povoações e aos quais estavam diretamente subordinados.

Indicados pelas Câmaras Municipais, os capitães-mor recebiam dos Capitães-generais a investidura do cargo por tempo ilimitado.

Foram três os capitães-mores de Porto Feliz:

1º Francisco Côrrea de Moraes Leite, de 1797 a 1820; *

2º Antônio José Leite da Silva, de 1820 a1823;

3º Joaquim Vieira de Moraes, de 1825 até a extinção do posto.

(*) O capitão-mor Francisco Côrrea de Moraes Leite nasceu em Araritaguaba. Foi senhor de considerável fortuna e proprietário de importante fazenda de cana em terras de Porto Feliz. Gozou de grande prestígio, não só devido a seu cargo e haveres, como também pela retidão do seu caráter e generosidade de seu coração.
Imigração Belga em Porto Feliz
Na segunda metade do século XIX, foram tomadas medidas restringindo a entrada de negros africanos para o Brasil.A lavoura cafeeira em franca expansão passou a ter dificuldades com a disponibilidade de mão-de-obra.Para atender esta demanda, o governo incentivou a vinda de imigrantes europeus ao Brasil.Em Porto Feliz, o governo imperial adquiriu 1601 hectares que seriam divididos em lotes e entregues a algumas dezenas de famílias belgas.

Esse núcleo agrícola, que recebeu o nome de Colônia Rodrigo Silva, seria uma espécie de escola prática onde agricultores paulistas aprenderiam com os europeus a cultura do trigo, linho, cevada e técnicas de criação de vacas leiteiras.

Porém, os objetivos desse núcleo agrícola não foram atingidos.

Fonte INEVAT-Instituto de Estudos do Vale do Tietê

Porto Feliz   História

As rodovias paulistas e as monções setecentistas

Estrada dos Romeiros, Rodovia do Estado, Estrada da Gruta, Estrada de Cabreúva, e outras tantas foram as denominações dadas popularmente ao longo do tempo para o trecho Itu - Cabreúva da Rodovia São Paulo - Mato Grosso, aberta ao público no dia 01 de maio de 1922. Com essa inauguração completava-se o setor considerado o mais importante da rodovia de noventa e sete quilômetros de estrada - tronco que ligava São Paulo a Itu, e era considerada marco na implantação da malha rodoviária paulista.
A estrada estava incluída em um projeto de quase uma década. Em 1913, o governo de São Paulo chefiado pelo conselheiro Francisco de Paula Rodrigues Alves (quadriênio 1912-1916) encomendara a elaboração de um "Plano de Viação" para o Estado. A tarefa seria executada sob coordenação do engenheiro Clodomiro Pereira da Silva. Na mesma época, o então deputado estadual Washington Luís Pereira de Sousa, mais tarde famoso como autor do lema "governar é abrir estradas", em documento dirigido ao Secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Paulo de Morais Barros, ressaltava a importância da abertura de novas rodovias e dizia que, em relação ao automóvel, "sabendo que esse veículo não é um concorrente perigoso da estrada de ferro, e é antes um auxiliar indireto, devemos concluir que fazer boas estradas, para todo o ano, que permitam o trânsito de automóveis, é um dever geral, neste momento de progresso da Viação".
No mesmo ano de 1913 sancionou-se a Lei 1406, datada de 26 de dezembro, estabelecendo o regime penitenciário no Estado. Em seu artigo 6º essa Lei permitia que, enquanto não estivesse concluída a Penitenciária do Carandiru, os condenados trabalhariam de preferência na abertura, construção e conservação de estradas públicas de rodagem. A mesma Lei, em seu artigo 16, autorizava o governo a estabelecer o sistema de Viação do Estado em relação a estradas públicas de rodagem.
Durante o seu mandato como prefeito de São Paulo (1914) Washington Luís já tinha traçado um grande programa rodoviário. O programa preocupava-se basicamente com as saídas do município, visando o futuro aproveitamento dos cinco troncos estaduais previstos nos Planos de Viação: 1. São Paulo - Rio de Janeiro, 2. São Paulo - Minas Gerais, 3. São Paulo - Mato Grosso, 4. São Paulo - Paraná e 5. estradas do litoral sul.
Ao assumir o governo paulista, Altino Arantes Marques (quadriênio 1916/1920) encontrou a questão rodoviária bastante amadurecida, e em seu mandato deu andamento a diversas obras. Entretanto, somente no governo de Washington Luís (quadriênio 1920/1924) é que o rodoviarismo ganhou notável incremento. É por isso que ele pode comemorar o primeiro aniversário de seu governo com a inauguração, a 01 de maio de 1921, da estrada São Paulo - Campinas, cuja construção tinha sido iniciada em 19l6 sob os auspícios da Lei 1406. A partir de então, tomaram-se medidas concretas para o estabelecimento de um plano definitivo de construção e conservação de estradas, criando-se, através da Lei 1835-C de 26/12/1921, a Inspetoria de Estradas de Rodagem, subordinada à Diretoria de Obras Públicas da Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, e uma brigada de empreiteiros para o desempenho das tarefas de construção e conservação.

O caminho das monções

Nessa época retomaram-se os trabalhos de construção da São Paulo - Mato Grosso, que estavam paralisados. Para Washington Luís, a rodovia resgatava o caminho das Monções setecentistas, antigamente percorrido nas "estradas móveis" das águas dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Taquari e Paraguai. O termo monções, na sua origem árabe, significava época ou vento favorável à navegação. Incorporado ao vocabulário do País, passou a referir-se às expedições fluviais povoadoras e comerciais que partiam do antigo porto de Araritaguaba, às margens do Tietê, atualmente Porto Feliz, com destino às minas de ouro nas cercanias de Cuiabá.
Apesar de no século 18 ter sido feita a abertura de comunicação terrestre com essa região, na realidade, porém, enquanto perdurarem as grandes monções, ela nunca poderá ser muito mais do que um complemento do comércio fluvial. Se no movimento monçoeiro os rios foram imprescindíveis, eles não tiveram uma ação significativa sobre o movimento das bandeiras, como registrou Alfredo Ellis Júnior em O bandeirismo paulista e o recuo do meridiano: " O Tietê, o velho Anhembi, que à primeira vista parece ter sido o grande caudal que determinou o Bandeirismo, foi desconhecido de grande parte do movimento".
Dois séculos depois da descoberta de ouro junto à barra do Coxipó - Mirim, em 1718, por Pascoal Moreira Cabral, a Rodovia São Paulo - Mato Grosso retomava o antigo itinerário do movimento monçoeiro.

Estrada-monumento

O trecho Cabreúva - Itu da Rodovia São Paulo - Mato Grosso foi construído entre 1920 e 1922. "Uma estrada de rodagem, talvez a mais bela e bem acabada que existe no Estado de São Paulo, vai ser inaugurada justamente no dia em que se verifica o segundo aniversário do atual governo", dizia o jornal República, de Itu, na edição de 30 de abril de 1922.
O traçado da nova estrada acompanhava, na margem oposta do Tietê, quase que o mesmo traçado da antiga "Estrada do Imperador". Nos séculos 18 e 19 através desse caminho era transportado para São Paulo e Santos, em lombo de burros, a produção ituana de açúcar e café . Isto perdurou até a construção da Estrada de Ferro Ituana, que seria inaugurada em 1873. A abertura do trecho foi um trabalho difícil. A picada na mata surgiu a golpes de facões e machados. O braço humano escavava à picareta a encosta íngreme e carregava as carrocinhas basculantes transportadoras de terra. A beleza do leito acidentado do Tietê acabou sendo revelada durante a construção da nova estrada, que pouco a pouco ganhava forma. Washington Luís estava tão interessado nas obras que as inspecionou pessoalmente no dia 18 de fevereiro de 1922. O tamanho da comitiva que o acompanhou naquele dia dá conta da importância da obra para o governo. Com o presidente do Estado estavam o seu ajudante de ordens, major Afro Marcondes; o secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Heitor Penteado; o deputado federal Carneiro da Cunha; o diretor das Obras Públicas, Alfredo Braga; o presidente da Associação Permanente de Estradas de Rodagem, Antônio Prado Júnior e o engenheiro da Diretoria de Obras Públicas, Cássio Vidigal. No ponto em que marcava o estágio mais avançado das obras a comitiva presidencial encontrou-se com o engenheiro fiscal da construção da ponte sobre o Tietê, Paulo Dutra da Silva, e com autoridades do município de Itu. Finalmente, a 01 de maio de 1922 Washington Luís inaugurou a estrada, comemorando com pompa o aniversário do segundo ano de mandato. O próximo trecho, de Itu a Porto Feliz e Tietê, seria inaugurado no ano seguinte, em 1923.
No seu governo Washington Luís desenvolveu um extenso programa comemorativo do centenário da Independência (1822/1922). Estudioso da História de São Paulo e autor de livros e artigos sobre o assunto, ele tinha como projeto privilegiado a idéia de realçar o papel dos paulistas na construção da Nação. Na estrada Vergueiro (São Paulo - Santos), ao longo da serra, construiu-se uma série de monumentos com tríplice finalidade: celebrar o centenário da Independência (1822/1922); lembrar permanentemente aos passantes o "esforço hercúleo dos paulistas" desde a época colonial até aos nossos dias para estabelecer a ligação entre o litoral e o planalto central; e servir de abrigo para os viajantes. Quatro monumentos principais foram então projetados pelo arquiteto Victor Dubugras: Cruzeiro Quinhentista; Marco de Lorena; Rancho da Maioridade e Pouso de Paranapiacaba.
Por sua vez, a rodovia São Paulo - Mato Grosso, especialmente o trecho entre São Paulo e Porto Feliz, poderia também rememorar a importância dos paulistas na conquista e formação do território nacional. Em sua última fala pública, em Itu no ano de 1955, Washington Luís de certa forma deixou patente esta dimensão da estrada: "E esta de Itu é a celebrada estrada, que partida de São Paulo, chegava ao antigo porto de Araritaguaba e ia a Mato Grosso, esse Mato Grosso onde a audácia e a perseverança da gente paulista foram descobrir as minas de ouro de Cuiabá, que enriqueceram a metrópole de então, e, sobretudo, alargaram a capitania de São Vicente, fazendo alongar para oeste imensamente as fronteiras do território brasileiro".
Para o trecho Cabreúva - Itu, que desde a sua inauguração já era considerado como o "mais belo", Washington Luís idealizou e mandou construir muradas, mirantes e bancadas. Não eram monumentos como aqueles construídos pelo arquiteto Victor Dubugras ao longo da serra. Mas eram recursos que tinham a finalidade de facilitar aos passantes a visão de um monumento natural muito maior: o Tietê e os portentosos jequitibás das margens do lendário rio. Nos mirantes o viandante poderia ver o Tietê como a "estada móvel" que conduzira os paulistas ao coração do país e o jequitibá como o símbolo da magnitude do PRP - "É verdade que o Partido Republicano Paulista não proclamou a República; mas amparou, ajudou a constituição e o seu funcionamento. Desse partido foram membros os maiores dentre os maiores homens que trabalharam durante o regime republicano no Brasil", afirmaria mais tarde Washington Luís.
Prosseguindo o caminho, a poucos quilômetros de Itu o viajante alcançaria Porto Feliz, às margens do Tietê. Nas proximidades do antigo porto geral da velha Araritaguaba, um vistoso monumento em mármore rosa, executado em 1920 pelo escultor Amedeo Zani, o lembraria das fantásticas expedições fluviais do século 18 e da constante motivação do homem para vencer distâncias, descobrir o desconhecido e construir o novo.

Jonas Soares de Souza
Pós-graduado em História Social e Especialista em Patrimônio Cultural, é pesquisador-docente do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (Museu do Ipiranga e Museu Republicano de Itu), membro do ICOM - International Council of Museums e da AIMH - Association Internationale des Musées d'Histoire.
Publicado: Sexta-feira, 12 de agosto de 2005

Porto Feliz História História


Publicado: Segunda-feira, 25 de setembro de 2006

A representação visual das monções

Em Porto Feliz, a poucos metros das águas do Tietê um elegante conjunto escultural rememora o movimento das monções do século XVIII. Monção era o nome dado a cada uma das expedições de comércio que partiam do porto de Araritaguaba, naquela época pertencente à vila de Itu, e que tinham como destino as povoações das minas de ouro de Cuiabá. No monumento de Porto Feliz destaca-se a coluna em mármore rosa, arrematada por uma esfera armilar em ferro batido. A base é formada por uma êxedra, isto é, uma espécie de banco de pedra semicircular com encosto alto. A face interna da seção que serve de encosto apresenta três baixos relevos em bronze. Os baixos relevos reproduzem três famosas representações visuais das monções: A partida da monção , quadro pintado por José Ferraz de Almeida Júnior, A benção das canoas , desenho de Hercules Florence datado de 1826 e A partida de Porto Feliz , desenho de Adriano Taunay também datado de 1826. Das três obras a mais conhecida é o quadro do pintor ituano Almeida Júnior, produzido em 1897 com base nos desenhos de Hercules Florence e Adriano Taunay. A partida da monção está exposta no Museu Paulista da Universidade de São Paulo, popularmente conhecido como Museu do Ipiranga.
A esfera armilar é um antigo instrumento de astronomia, que integrava o repertório de instrumentos utilizados nas grandes navegações. Ela representa o conjunto da esfera celeste e o movimento dos astros. A sua invenção é atribuída ao filósofo grego Anaximandro de Mileto (611-547 a.C.). Na esfera armilar o globo central representa a terra e os vários anéis concêntricos, as armilas, representam os corpos celestes. Com a esfera os antigos astrônomos procuravam compreender o mecanismo do universo e o movimento dos astros. O instrumento também era utilizado para ensinar astronomia, fazer cálculos de geometria esférica, e reconhecer a posição dos astros em diferentes épocas do ano. A concepção das esferas e seu posicionamento mudavam de acordo com o sistema cosmológico do autor. A esfera armilar tem significativa presença na armaria portuguesa e na tradição brasileira. Ela está presente na bandeira de Portugal. Em Funchal, na Ilha da Madeira, uma imensa esfera armilar embeleza uma praça próxima ao mar. Em Porto Feliz, além daquela do topo da coluna do monumento no Parque das Monções, outra esfera armilar foi assentada no centro do antigo Largo da Penha, sítio no qual nasceu a povoação.
O rei D. Manuel I, o Venturoso, tomou por bandeira pessoal uma esfera armilar de ouro em campo esquartelado em aspa, de branco e vermelho. D. Manuel I teve seu nome ligado à mais gloriosa fase de Portugal, na qual os navegadores fizeram as descobertas que encaminhariam a Europa à modernidade. A esfera armilar figurou na bandeira branca do principado do Brasil, criado em 1647. D. João VI escolheu o mesmo símbolo em 1816, uma esfera armilar de ouro em campo azul, para o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Depois da Independência D. Pedro I respeitou a tradição e manteve o símbolo, dando por armas ao Brasil uma esfera armilar em ouro, em campo verde, atravessada por uma cruz da Ordem de Cristo e circundada por uma orla azul com 19 estrelas de prata. Esse foi o brasão de armas do Brasil até a Proclamação da República.
Os idealizadores do monumento de Porto Feliz que rememora as monções colocaram a esfera armilar no topo da coluna para representar um elo entre os descobrimentos portugueses do século XV e as grandes expedições fluviais que, três centúrias depois, partiam de Porto Feliz com a missão de explorar e povoar a região fronteiriça às terras dominadas pelos espanhóis. O monumento foi encomendado por Cândido Mota, Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura. A sua inauguração deu-se a 26 de abril de 1920. A festa de inauguração contou com a presença de Altino Arantes, presidente do Estado de São Paulo [naquela época o governador era chamado de Presidente de Estado], e de um grupo de jornalistas e historiadores. Afonso de Escragnolle Taunay, que além de historiador era o diretor do Museu Paulista — popularmente chamado de Museu do Ipiranga, fez o discurso oficial da solenidade. Ele dedicou a sua fala À Glória das Monções .
O autor do monumento foi o escultor italiano Amedeo Zani. Com uma história de vida parecida a de tantos outros imigrantes, Zani chegou ao Brasil em 1887. Em São Paulo fez estágio no escritório do arquiteto Tommaso Gaudenzio Bezzi, que então construía o edifício que a partir de 1895 abrigaria o Museu Paulista. Depois freqüentou o ateliê do escultor Rodolpho Bernardelli, no Rio de Janeiro. Viajou para a Europa, passou por Paris, morou um tempo na Itália e aos 27 anos voltou ao Brasil. Na capital paulista exerceu o magistério no notável Liceu de Artes e Ofícios a convite do engenheiro-arquiteto Ramos de Azevedo. Amedeo Zani também é o autor de Glória Imortal aos Fundadores de São Paulo , conjunto comemorativo à fundação da cidade localizado no centro do Pátio de Colégio. Neste monumento, uma elegante coluna é encimada por uma emblemática figura feminina.

Jonas Soares de Souza -Pós-graduado em História Social e Especialista em Patrimônio Cultural, é pesquisador-docente do Museu Paulista da Universidade de São Paulo (Museu do Ipiranga e Museu Republicano de Itu), membro do ICOM - International Council of Museums e da AIMH - Association Internationale des Musées d'Histoire.


 Porto Feliz Tênis Clube - Historia



Logo no início de 1977, o grupo de costume reuniu-se na casa de Atílio Coli. Quase todas as tardes de domingo e de outros dias da semana, sem agenda antecipadamente marcada, o pessoal aparecia para colocar o papo em dia e, claro, para os "comes e bebes" sempre farto. Nesse dia, Santinho Simonetti apresentou uma idéia. Ele estava participando da implantação do empreendimento de loteamento de Amadeu da Motta, projeto denominado "Jardim Bela Vista", nos altos da rua Santa Cruz. No loteamento tinha uma área reservada aos esportes e lazer, na qual bem que poderia ser construído um clube!
Seduzidos pela idéia, fomos todos para ver o local: Santinho, Atílio, Nice, Wagner, Luciana, Waldemar Ravelli e Rubens Albiero. O grupo levou um susto. Era uma tremenda perambeira! Como edificar um clube naquela barroca?
Entretanto, o susto virou um tremendo desafio. Nós vamos construir o Porto Feliz Tênis Clube neste local, alguém disse, e todos concordaram. O Santinho e o Amadeu da Motta pensavam no clube como um chamarisco para o sucesso do loteamento. O Santinho e o nosso grupo pensavam o clube como espaço de lazer e de encontro e como possibilidade de mostrar a força da comunidade quando ela se manifesta para concretizar um projeto coletivo.
A primeira reunião já com o propósito de criação do PFTC foi realizada no escritório de advocacia de Rubens Albiero, na rua André Rocha. Estavam presentes o próprio Rubens, Santinho, Atílio Coli, Amadeu da Motta, Fernão Dias, Jonas de Souza, Osmil de Lara, Lourenço Visentin e Jefferson de Souza. Depois de uma longa discussão, a reunião terminou com a ata lavrada e o PFTC oficialmente criado. A primeira tarefa: visitar os clubes congêneres da região, para estudar as instalações, a documentação e o modo de funcionamento. Eu fiquei com a responsabilidade de estudar alguns estatutos e de dar a redação final ao estatuto do PFTC.
No domingo seguinte, o grupo encontrou-se à beira da perambeira e como um só arquiteto começou a planejar: aqui a piscina, ali as quadras de tênis, acolá um campo de bocha, mais adiante a majestosa sede... E mãos à obra. A tarefa vislumbrada não poderia esperar o amanhã, e com as próprias mãos o grupo iniciou a terraplenagem, tamanha era a euforia.A surpresa maior manifestou-se na ocasião em que 50 títulos do futuro Clube foram colocados à venda. A perambeira não assustou ninguém. A vontade de construir um novo espaço de lazer, a beleza do local, e a credibilidade do grupo, facilitaram a formação de um sólido corpo de associados, que ampliou os limites da idéia inicial e em pouco tempo depois inaugurou as instalações do sonhado PFTC.
 Santinho Simonetti não participou do projeto da concretização do sonho. Um inexplicável acidente de moto tinha roubado o amigo do nosso convívio. Mas, a sua imagem e a de outros que participaram da elaboração do projeto e da realização do sonho assomam à minha memória quando eu vejo o PFTC, enquanto demonstração da força do espírito associativo.

Jonas Soares de Souza

terça-feira, 26 de abril de 2016

Loja Simeira, na rua Altino Arantes, hoje Lojas Cem



Pré-história das monções

Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo, 4 janeiro de 1957



Sérgio Buarque de Holanda


À leveza e ao fácil meneio das igaras de casca não corresponderia necessariamente, como se pode pensar, uma fragilidade excessiva. Contra essa suspeita milita o fato de serem essas canoas preferidas às de lenho inteiriço justamente nos lugares mais acidentados de certos rios, isto é, mais cheios de embaraços, tropeços e perigos para a navegação. Já se notou como nas partes encachoeiradas do Rio Madeira, por exemplo, é que elas prevalecem quase exclusivamente, só encontrando a competição das outras, feitas de troncos escavados a fogo, machado e enxó, onde a mareação pode fazer-se independentemente de maiores estorvos.
Embora o “civilizado” tenha conseguido modificar de algum modo semelhante situação, o fato é que ela ainda persiste, no essencial, até os nossos dias. A construção pouco dispendiosa das canoas de casca admitia que fossem elas abandonadas sem maiores prejuízos onde se mostrassem inúteis. Dos antigos paulistas sabe-se que tinha o hábito de largar suas igaras nos maus passos, fabricando-as de novo quando delas necessitassem. Hábito, esse, herdado, por sua vez, dos primitivos moradores da terra, assim como o de as afundarem ou simplesmente quebrarem.
Em seu Ensaio sobre as construções navais indígenas, observa Antonio Alves Câmara como, entre muitas tribos indígenas, era uso mergulhar as canoas nos lugares de remanso e, em seguida, amarrarem-nas ao fundo, de onde podiam ser retiradas a qualquer momento.¹ O costume de ocultá-las, e mesmo destruí-las, sempre que preciso parece ter sido muito generalizado. Curt Nimuendajú, ² que ainda pode assinalar entre os parintintim da Amazônia, relaciona-o à necessidade em que se viam esses índios de evitar que delas se aproveitasse o inimigo. Às mesmas providências não deixavam de recorrer os nossos mamelucos. Assim, em depoimento prestado em janeiro de 1685 às autoridades castelhanas de Assunção do Paraguai, certo índio fugido aos maloqueiros de São Paulo referia como, devendo regressar estes à sua terra como o gentio preado, inutilizavam de antemão todas as canoas que os tinham transportado.
Em outros casos, onde devesse ser breve a varação, ou em sítios em que escasseavam os troncos apropriados, transportavam-na por terra, valendo-se de cordas ou correias de couro. Isso ocorria mais frequentemente, no entanto, com as canoas de madeira. As outras, as de casca, admitiam recursos mais simples, como o de carregá-las às costas dos índios ou emborcadas sobre as suas cabeças, tal como sucede entre certas populações particularmente de nosso extremo norte, observadas por Theodor Koch-Grünberg.³
Tais cuidados são explicáveis quando se considera que muitas dessas igaras, apesar do pobre material de que são feitas, estão longe de constituir simples recurso de emergência para índios e sertanistas. Mesmo entre gente mais sedentária podiam elas enfrentar, de algum modo, a competição das canoas de madeira. Assim, num inventário paulista, no ano de 1599, o de Isabel Fernandes, mulher de Henrique da Cunha, que fora juiz ordinário da vila, figura expressamente uma canoa “de casca” entre a fazenda que se mandou avaliar e vender na praça4. Não apenas a vantagem do custo relativamente baixo, mas ainda a da durabilidade, tão notável quanto sua resistência aos obstáculos que embaraçam e atropelam a mareação, justificam o largo uso que se chegou a fazer dessas canoas.
Aludindo a essa última vantagem, afirmou Georg Friederici 5 que elas chegaram a alcançar, em condições normais, até seis anos de vida, enquanto as de pau inteiriço seriam incapazes de durar mais de um verão. É certo que suas observações nesse caso procuram abarcar todo o continente americano tomando em bloco e grosso modo e não se detêm nas condições especificamente brasileiras. Além disso, a madeira das canoas monóxilas a que se refere é declaradamente a do álamo, não a de qualquer das espécies botânicas usuais entre nós para a fatura de semelhantes embarcações.
Todavia, quando recorre a uma só variedade de madeira, não parece ter ela em mira restringir o alcance de sua teoria da durabilidade menor das canoas de madeira inteiriça, e sim ilustrar essa mesma teoria, socorrendo-se, para tanto, de um exemplo mais eloquente do que característico. Cabe, em todo caso, perguntar se esse empenho de fazer mais expressiva uma convicção pessoal não tenderia aqui, como sucede constantemente em circunstâncias tais, a desfigurar os fatos. Ao menos no que diz respeito às grandes canoas monóxilas de treze e mais metros de comprido, que se usaram na era das monções, construídas literalmente segundo as velhas técnicas indígenas, há certeza de que serviam ordinariamente, não apenas um, mas vários verões e invernos, nas expedições regulares entre Araritaguaba e Cuiabá. E quando principiarem a escassear nas beiradas do Tietê e tributários os troncos corpulentos, próprios para o seu fabrico, as canoas já usadas e muitas vezes remendadas irão formar o grosso das frotas de comércio. Assim é que das treze que foram na Real Monção de 1818, quatro apenas tinham sido especialmente fabricadas para essa viagem, segundo consta de documentos que se conservam manuscritos no Arquivo do Estado de São Paulo.
Seja como for, parece improvável que pudessem elas superar por mais de dez ou quinze anos, se tanto, os maus-tratos a que as expunha uma longa e penosa navegação. Consta, em outro documento manuscrito, que em 1798, de vinte canoas de comércio aprontadas um decênio antes, quando da chegada à capitania do governador Bernardo José de Lorena, e desde aquele tempo deixadas em ranchos protetores junto ao embarcadouro de Porto Feliz, pouquíssimas podiam considerar-se aptas para o serviço. O quase abandono em que se achavam, sem abrigo seguro, sem cuidados maiores que nelas atalhassem a obra do tempo e, sobretudo, sem uma eficaz vigilância contra a maldade dos desocupados, numerosos na região e certamente mais daninhos do que todos os contratempos que as poderiam esperar em viagem, bastavam para as condenar, verdadeiras canoas de ninguém, a uma ruína rápida e sem remédio.
Mesmo assim andariam elas bem longe daquela efêmera duração atribuída por Friederici às embarcações de madeira inteiriça. E é fácil supor que maiores seriam suas perspectivas de conservação se a escolha das árvores próprias para seu fabrico não tivesse a limitá-las às possibilidades da flora paulistana e, ainda mais, à consideração da capacidade exigida para o transporte de carga numerosa. Vinte anos de vida teriam, segundo Alexandre Rodrigues Ferreira, as de camaru ou angelim preto do Pará, que por outro lado não alcançavam as dimensões médias das canoas das monções, feitas de ximbouva ou peroba.
Ora, se peca ou exagera a pretensão de que as embarcações de pau inteiriço alcançam pequeníssima duração, não se poderia imaginar o dar às igaras? Ou antes, não se fundaria essa crença num simples limite de exceção, atingindo em condições quase ideais? Das canoas de casca de jatobá, as mais geralmente usadas no Brasil, sabe-se, de acordo com estudos modernos, que têm uma duração máxima de dois anos, em condições normais. Sujeitas a viagem acidentadas e trabalhosas, entretanto, conservam-se por muito tempo.
A verdade é que sua capacidade de resistência aos obstáculos naturais, que caracteriza esse tipo de embarcação, está longe de se relacionar de modo exclusivo à durabilidade, que também pode ser comprometida pelo fato, entre outros, de a cortiça de que é fabricada absorver, em geral, comparada à madeira, uma quantidade bem maior de água, o que prejudica evidentemente sua conservação. Além disso, a própria circunstância de serem usadas frequentemente em lugares acidentados tende, na prática, a sujeitar as igaras a um rápido desgaste.
Na praça Lauro Maurino, antigo "loja dos Maurinos", depois Porto Peças....