Porto 1952...foto de Jarbas Pimenta
quarta-feira, 20 de abril de 2016
COLONOS BELGAS EM PORTO FELIZ
Colonos Belgas em Porto Feliz (*)
A rápida expansão da economia cafeeira para o chamado “Oeste Paulista”, praticamente despovoado no século passado, ocorreu em um momento no qual estavam reduzidas as possibilidades de continuidade das relações escravistas de produção. A demanda de mão de obra era muito maior que a oferta de escravos, e a permanência de escravidão impunha limites à utilização de outras fontes de trabalhadores. A existência do preconceito contra o braço nacional, que, por sua vez, não se adaptava facilmente à condição de trabalhador
assalariado de forma disciplinada, dificultava a sua utilização. A preferência dos fazendeiros do ‘’Oeste” pelo trabalhador estrangeiro e a existência de um excesso de população liberada pela crise que assolava vários países da Europa, especialmente a Itália, favoreceram a implantação de um fluxo imigratório para a então Província de São Paulo. Pouco a pouco os imigrantes estrangeiros sob formas diversas como: regime de parceria, imigração espontânea ou subvencionada...) substituiram o braço escravo nas grandes lavouras.
Enquanto nas Províncias do Sul do país predominou o sistema de estabelecimento dos imigrantes em Colônias, como pequenos proprietários, em São Paulo a expansão de cafeicultura reduziu a disponibilidade de terras para esse tipo de fixação de estrangeiros. As limitações das Colonias particulares, que surgiram em diversas fazendas (como a de Ibicaba, do senador Vergueiro, no município de Limeira), e o impasse surgido com o regime de parceria, resultaram na criação de núcleos coloniais oficiais pelo Estado. Sua existência, porém, atendia direta ou indiretamente aos interesses da grande lavoura. Funcionavam como fornecedores de
generos a preços baixas, como focos de atração e fixação de imigrantes, ou então como reservas de mão de obra para seus periodos de maior atividade.
Todas as preocupações com a introdução de trabalhadores visaram completar ou formar quadros de força de trabalho para as lavouras de café. As regiões marginalizadas no surto cafeeiro, como foi o caso de Porto Feliz, não foram beneficiadas pelo fluxo imigratório da segunda metade do século XIX. Nesse período, a força de trabalho disponível naquele município resumia se a umas poucas centenas de escravos.
Entre 1790 e 1830 Porto Feliz, juntamente com Itu e Campinas, controlava a produção açucareira da Capitania de São Paulo. Era uma zona das mais povoadas, e o número de escravos pouco inferior ao de Itu e Campinas.
Depois de favorecido pela conjuntura do final do século XVIII, ocasião em que renasceram os engenhos paulistas, o açúcar brasileiro enfrentou uma fase de recessão, a partir de 1830, que teve suas origens no aumento da concorrência nos mercados internacionais.
Em consequência dessa fase de recesso, com o passar dos anos a produção açucareira de Porto Feliz foi perdendo importância, um grande número de engenhos foram desativados e centenas de escravos vendidos.
Augusto Emílio Zaluar ficou decepcionado com o atraso da antiga Araritaguaba quando por ela passou em 1860, e escreveu no seu livro de viagens Peregrinação pela Província de São Paulo: “O seu comércio é muito insignificante, pois apenas existem aqui algumas tabernas, e poucas lojas de fazendas e armazéns. A população deste distrito, que já foi de 10 a 11.000 almas, está hoje reduzida a 7000, sendo 5.000 Iivres e 2.000 escravas”.
Na década de 1870 começaram a ser criados no Brasil os chamados Engenhos Centrais, modernas fábricas de açúcar. Um grupo de fazendeiros de Porto Feliz resolveu também construir um Engenho Central, numa tentativa de superar os problemas econômicos do município, e em 1876 organizou a Companhia Açucareira de Porto Feliz. No contrato que a Companhia assinou com o Governo Imperial para a garantia de juros, então em vigor para capitais empregados em estabelecimentos desse gênero, ficava proibida a utilização do braço
escravo, ao mesmo tempo que facilitava a aquisição de terrenos devolutos para posterior revenda a imigrantes europeus.
Finalmente, com uma grande festa foi inaugurado, a 28 de outubro de 1878, o Engenho Central de Porto Feliz, o primeiro construído na Província de São Paulo e o terceiro de todo o Brasil.
Entretanto, nada de providencias concretas para a introdução de trabalhadores na região. Criado o Engenho Central, o cultivo do canavial e a fabricação do açúcar formaram dois setores separados, com a aplicação de medicas ‘’modernizantes” apenas no segundo setor. A deficiência de braços e de novas técnicas na lavoura , a deficiência dos meios de transporte de cana, e o desinteresse dos plantadores em assumir compromissos de fornecimento, geraram uma série de crises no abastecimento de matéria prima.
Núcleo colonial “Rodrigo Silva”
Para colaborar na solução da crise de fornecimento da cana de açúcar, recorreu se então, passado quase um decênio da inauguração do Engenho Central, às experiências já utilizadas na cafeicultura: aos núcleos coloniais. Assim, nas zonas açucareiras de Porto Feliz e Lorena, onde também foi fundada uma colônia para atender às necessidades de um Engenho Central, os núcleos coloniais oficiais poderiam atrair e fixar trabalhadores, que se transformariam em pequenos proprietários e assegurariam safras fixas de cana aos respectivos
Engenhos Centrais.
Nessa época, a Sociedade Central de Imigração e outros dos interessados na transferência de mão de obra para o Brasil desenvolviam intensa propaganda na Europa. Na Bélgica surgiram muitos candidatos, entre eles o padre Jean Baptiste VanEsse, atraído com a possibilidade dos lucros que certamente proporcionariam a formação de uma colônia belga no Novo Mundo.
Para a instalação do núcleo colonial em Porto Feliz, o governo havia adquirido algumas propriedades nas imediações da cidade. Nessa altura dos acontecimentos VanEsse já conversara com o Ministro da Agricultura, na ocasião Rodrigo Silva, ao qual fora apresentado por Edouard de Grelle, Ministro da 8élgica no Rio de Janeiro. Levaram o padre belga para conhecer as terras de Porto Feliz e ele entusiasmou se com a fertilidade do terreno, considerado proprio para o cultivo da cana, cereais, café e tabaco. Depois da visita, VanEsse
escreveu à Diretoria da Sociedade Central de Imigração uma carta, datada de 13 de janeiro de 1888, dando pormenores do seu projeto, no qual seriam investidos 50.000 francos belgas.
Autorizado pelo Aviso nº 111, de 16 de novembro de 1887, do Ministério da Agricultura, o Inspetor Geral das Terras e Colonização assinou, no dia seguinte, um minucioso contrato com o padre VanEsse . De acordo com o contrato seriam introduzidas 50 familias na colonia, sendo 45 familias necessariamente de agricultores, a começar do inicio de maio de 18B8 até 31 de maio de 1889. Cada familia obrigava se a trazer um capital minimo de 1.000 francos, mais os utensilios domésticos e implementos agricolas. As despesas com o transporte dos colonos e de suas bagagens ficavam por conta do governo.
O núcleo colonial ficaria sujeito à jurisdição civil, segundo as leis e disposições em vigor no Império, e o padre VanEsse, na qualidade de “diretor espiritual”, seria um representante remunerado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Publicas.
Conforme o oficio de 19 de fevereiro de 1888, enviado por E. de Grell e a o Principe Chimay, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, o Ministro Rodrigo Silva previa um brilhante futuro da Colônia de Porto Feliz, cuja criação testemunhava a simpatia dos brasileiros pelos trabalhadores belgas.
Para atrair seus colonos na Bélgica, VanEsse redigiu um opúsculo, no qual prometia grandes vantagens: os lotes de 20 a 30 hectares custariam em média 1.400 francos e poderiam ser totalmente pagos pelos colonos no prazo máximo de sete anos. Além disso, como o núcleo era fundado com o objetivo de alimentar o Engenho Central, toda a produção de cana tinha comprador certo.
O opúsculo esclarecia que, como as casas construídas pelo governo eram precárias, seria preferível transportar da Bélgica casas pré fabricadas com paredes, divisões e teto de ferro.
Aos colonos VanEsse sugeria a organizado de uma cooperativa. Através dela o excedente da produção seria colocado no mercado, a ela caberia a compra de alimentos e ferramentas, e mediante uma pequena contribuição mensal ela providenciaria assistência médica e medicamentos as famílias dos colonos. A cooperativa poderia depois se ligar a outras do mesmo gênero, formadas em futuras colônias belgas.
As primeiras 25 famílias chegaram ao Brasil a bordo do navio Hipparchus. Do porto de Santos partiam de trem com destino a Itu ou Sorocaba, de onde alcançariam Porto Feliz a pé ou em carro de bois. Em fins de maio de 1888 requereram os seus lotes os seguintes colonos: Alexandre Libois, Edouard Leroy, Vital Kestemond, Felix Wayens, J.B. Vanerwyck, J.J. Descolte, Juies Bertz, François Aerre, François Labenne, Ferdinand Boudart, Auguste Dubois, Hubert Dumont, Augustine Detry, Gustave Dumont, Genius Despontin, Edmonde Taupe, Emile Gérard Ballion, Adelin Péters e Auguste de Becquerot.
O estabelecimento recebeu a denominação de Núcleo Colônial “Rodrigo Silva”, em homenagem ao antigo Ministro da Agricultura. Ocupava uma área de 1.600 hectares, que custaram 23:000S000 réis aos cofres públicos. De acordo com um artigo publicado no Etele du Sud (jornal escrito em francês, dirigido por Charles Morel e impresso no Rio de Janeiro,foram projetada para abrigar 1.000 colonos belgas, e esperava se que constituisse em estabelecimento modelo, uma espécie de escola pratica de agricultura, de centro de difusão de novas técnicas de cultivo e de novas lavouras. A Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro considerava o empreendimento “louvavel” não apenas como auxilio para a agricultura, mas também do ponto de vista de sua influência em todas as esferas sociais”, com a conseqüentes facilidades para o desenvolvimento da pequena propriedade, introduzindo no Brasil elementos da “laboriosa raça belga.”
Meses depois, o Diário Popular de 31 de janeiro de 1889, sob o título ‘’Colônia Malsinada”, dava “conta das péssimas condições em que se encontrava a projeta escola prática de agricultura. A notícia falava em “falta de direção experimentada’’ criticava a intervenção paternal do Governo e a direção clerical, que revelava ‘’tendências absorventes e autoritárias’’. Informava ainda que os imigrantes estavam vendendo ferramentas agrícolas por falta de dinheiro para a compra de alimentos. O Senador Taunay comentou esse artigo na sessão de 7 de fevereiro de 1889 da Diretoria da Sociedade Central de Imigração.
As mesmas críticas do Diário Popular foram repetidas por Alfred Marc em Le Brésil: Excursíon dutravers ses 20 Provinces publicado em 1898. Surgiram protestos contra a direção do núcleo colonial. Entretanto, VanEsse não desistiu da empresa. A 4 de maio de 1889 remete um ofício ao Barão George Reusens, então Ministro da Legação belga do Rio de Janeiro, solicitando sua intervenção para a prorrogação do prazo do contrato, que o obrigava a introduzir as famílias restantes, já engajadas na 8élgica, até o dia 31 daquele mês, e para as quais o Cônsul do Brasil em Anvers não concedia a necessária autorização para embarque, No mesmo ofício ele se defendia das acusações apontando a existência de inúmeros inimigos, que não perdiam oportunidade para calunia.
O Consul da Bélgica em São Paulo, Pety de Thozée, era um dos críticos de VanEsse. Lembrava que o padre tivera a brilhante idéia de vender aos colonos casas de ferro fabricadas em Charleroi, inabitáveis em clima quente, em vez de construir moradias com material local. Acusava VanEsse de ter comprado a fazenda “Canguera”: nas proximidades da Colônia, por preço exagerado e para uso pessoal.
Pouco a pouco os colonos debandaram. Uns voltaram para a Bélgica, outros passaram para Porto Feliz e cidades vizinhas e poucos ficaram na Colônia.
A tutela do Governo somente foi retirada pelo Decreto número 225 A, de 30 de dezembro de 1893, que emancipou também outros sete núcleos oficiais instalados em outros municípios.
Os belgas foram substituídos por brasileiros e imigrantes de outras nacionalidades, como demonstrou o recenseamento realizado em 1893: a população de 271 habitantes, todos agricultores, era formada por 150 brasileiros, 62 belgas, 39 italianos, 16 espanhóis, 1 francês, 1 alemão, I norte americano e 1 “africano”.
Das 52 moradias, avaliadas em 13:420$000 réis, 50 ainda eram casas provisórias. O valor da produção do Núcleo Colonial “Rodrigo Silva” nesse ano atingiu 46:068$000 reis, no qual o milho participava com mais de 5096 registrando se a existência de dois “engenhos de-cana” para o seu beneficiamento. A produção de cana não ultrapassou os 60 carros (cada carro equivalia aproximadamente a 1.500 quilos), avaliados em I:800$000 réis. Os colonos, quando plantavam cana, achavam mais produtivo “fazer com ela aguardente, do que puxá la uma longa distancia, empilha la sobre vagões e esperar em seguida com paciência longos meses para serem pagos, estando o Engenho cronicamente sem vintêm”, como escreveu Frederic Sawyer no seu estudo sobre a industria açucareira em São Paulo, publicado em 1905.
O fracasso da experiência com colonos belgas em Porto Feliz deve ser atribuido à deficiência do sistema de recrutamento desses imigrantes. A própria diretoria da Sociedade Central de Imigração reconhecia que os belgas não estavam dando prova como trabalhadores assalariados nas fazendas e como pequenos proprietários, porque vinham da Europa com muitas esperanças, fundadas em promessas exageradas e de difícil realização, pelo menos na fase inicial. E a maioria deles era formada por operários das industrias e minas, que não tinham nenhuma experiência anterior com o trabalho do campo.
Além desse problema fundamental devemos lembrar ausencia de uma liderança efetiva; a pressão exercida por alguns dos grandes proprietários, que certamente não viam com bons olhos o estabelecimento; as reduzidas dimensões do mercado consumidor para os produtos da colonia e as constantes crises do próprio Engenho Central que motivou a sua fundação.
Depois de sua desastrosa atividade como diretor do Núcleo Colonial Rodrigo Silva’’, o padre VanEsse exerceu as funções de vigário em várias cidade do interior: Cajuru, Matão, São Carlos, Santa Barbara do Rio Pardo e depois em Curitiba. Terminou a sua vida como professor do Seminário Arquidiocesano de São Paulo.
(*) Jonas Soares de Souza - Jornal Cruzeiro do Sul – Sorocaba - 3 de setembro de 1978 p.20
Entradas, Bandeiras e Monções
A expressão Entradas , bandeiras e Monções é utilizada para designar, genericamente, os diversos tipos de expedições empreendidas à época do Brasil Colônia, com fins tão diversos como os de simples exploração do território, busca de riquezas minerais, captura ou extermínio de escravos indígenas ou mesmo africanos.
Ainda de maneira geral, considera-se que:
as chamadas Entradas tinham a finalidade de expandir o território, eram financiadas pelos cofres públicos e com o apoio do governo colonial em nome da Coroa de Portugal, ou seja, eram expedições organizadas pelo governo de Portugal.
as Bandeiras foram iniciativas de particulares, que com recursos próprios buscavam obtenção de lucro. Seus membros ficaram conhecidos como Bandeirantes.
as Monções eram expedições fluviais paulistas que partiam de Porto Feliz, às margens do Rio Tietê, com destino às áreas de mineração em Mato Grosso, com a finalidade de abastecê-las . As canoas levavam mantimentos, ferramentas, armas, munições, tecidos, instrumentos agrícolas e escravos negros, entre outras mercadorias para serem comercializados nos povoados, arraiais e vilas do interior. Na volta, traziam principalmente ouro e peles. Há que considerar ainda o aspecto particular desse fenômeno na região amazônica, em busca não apenas do extrativismo das chamadas drogas do sertão, especiarias apreciadas na Europa como, por exemplo, o urucum e o guaraná, mas também em busca do apresamento do próprio indígena.
Porto Feliz, porto das Monções colaborou para o surgimento de cidades como Tietê
A história da cidade de Tietê teve início com os bandeirantes que desbravavam o interior paulista navegando pelo Rio Tietê na busca de riquezas. |
Tudo começou na embocadura do Ribeirão do Pito Acesso (Ribeirão da Serra). Nesse local estava o ancoradouro das canoas que formavam as Monções com destino a Cuiabá, carregadas de ouro e pedras preciosas. |
As primeiras habitações foram construídas à margem do rio, começando a se formar o vilarejo Pirapora do Curuçá. |
O primeiro nome foi dado devido a uma pedra, existente até os dias de hoje. Ela localiza-se à margem esquerda do Rio Tietê, que os índios chamavam Curuçu-Guaçu, que em tupi significa cruz. Até os dias de hoje, há nela uma cruz entalhada, pouco apagada pela ação do tempo, e muitas lendas em torno da sua história. |
Há registros de 1570, do padre José de Anchieta, sobre um naufrágio ocorrido entre Porto Feliz e Tietê. O relato indica a presença de colonizadores nessa região desde os primórdios do descobrimento do Brasil. |
Durante as Monções, no final do século XVIII, Pirapora do Curuçá era considerado o mais importante porto de reabatecimento e descanso para os bandeirantes que partiam de Araritaguaba (Porto Feliz). |
Em 1947, foi realizado o primeiro censo de Tietê. Constatou-se que na região que descia o rio numa distância de quatro léguas da matriz existiam cerca de cento e quarenta casas. |
Em 3 de agosto de 1811, Pirapora do Curuçá foi elevada à condição de freguesia da Santíssima Trindade da Pirapora do Curuçá. |
Em 8 de março de 1842, a freguesia elevou-se a município e passou a chamar Tietê. |
Porto Feliz escravidão
Parente por opção
Tratadas como negócio mas definidas por afeição, relações familiares iam além dos laços biológicos
“É filha de uma mulher prostituta pública exposta a toda sorte de gente, o que é público nesta vila.” A vila era Porto Feliz, interior da capitania de São Paulo, e o ano era 1850. Essas palavras fortes foram lavradas pelo negociante Manoel Fernandes Teixeira em seu testamento. Referiam-se a Ana Vicência, a mesma que, em época anterior, reconhecera como sua filha. Agora, arrependido, seu desejo era deserdar a moça.
O arrependimento tinha dois motivos. Primeiro, Ana Vicência, sabidamente filha de prostituta, logicamente podia ser filha de outro homem. Já a segunda e principal motivação era afetiva. Manoel queixava-se da “péssima conduta que tem praticado a meu respeito, tratando-me, mesmo quando esteve em minha casa, com um descarado desprezo e (...) até o presente como uma decidida inimiga”.
O ato de reconhecer e depois deslegitimar uma filha revela muito sobre os arranjos e rearranjos familiares no vasto império do Brasil. Sentir-se parente era uma opção que extrapolava os elos biológicos.
Manoel era natural de Lisboa e viveu solteiro na primeira metade do século XIX. Homem de posses, atuava trazendo mercadorias do Rio de Janeiro para revender em Porto Feliz. Os negócios iam bem até que botou o genro, José Vaz, como sócio em sua loja. O marido de Ana Vicência levou-o “ao estado desgraçado de paralisação”. E o capital que o genro empatou na sociedade, 4 contos de réis (com esta quantia era possível comprar dois bons escravos ou uma boa casa térrea), fora dado pelo próprio Manoel, por ocasião do casório. No papel de pai de Ana Vicência, Manoel também proporcionou ao casal quatro escravos, uma casa de sobrado e outra com quintal.
Tantas vantagens em favor do casamento se explicam por Ana Vicência ser publicamente reconhecida como filha de prostituta, verdadeira lástima em uma sociedade católica.Demonstram também que família, patrimônio e negócios andavam de mãos dadas. Os matrimônios contavam inclusive com agenciadores. Havia pouco espaço para o amor romântico entre os casais, o que só se efetivaria em fins do século XIX. Por outro lado, a escolha de parentes e os sentimentos familiares iam além dos laços consanguíneos.
Após sua decepção com Ana Vicência e José Vaz, Manoel Fernandes “adotou” outra família. Decidiu que, após sua morte, a escrava Francisca e sua filha, Brandina, poderiam “gozar de sua liberdade como se nascessem de ventre livre”. Libertou também Eufrosina mulata, Valêncio, Ambrosina, Marcolino e Vicente mulato. Não apenas escolheu estes cativos para libertar, dentre todos os que senhoreava, como deixou-lhes legados.
Caso o juiz de órfãos concordasse em deslegitimar Ana Vicência, os cativos alforriados seriam seus herdeiros integrais. Caso contrário, receberiamnove escravos, a casa onde Manoel morava e uma chácara, entre outros bens. E havia outras instruções. Por exemplo: a escrava Joaquina seria dada a Valêncio, “por ser sua avó”. Naquela sociedade, o neto podia ser senhor dos avós e até mesmo dos pais. Senhor, mas ao mesmo tempo família. Não eram raras essas famílias juridicamente mistas, com um pé na escravidão e outro na liberdade.
À escrava Eufrosina, Manoel legou o governo da casa, dos escravos e dos forros. E ainda ordenou que o liberto Valêncio “nunca se apartará em tempo algum da minha escrava Eufrosina e servi-la-á como um filho obrigado a servir sua mãe, pois que foi ela quem o criou desde seu nascimento, e lhe tenha amor de filho. E quando aconteça que ele se queira apartar da companhia dela, sendo mesmo de maior idade, ela o poderá ir buscar onde estiver e castigá-lo como entender, e é com esta condição que lhe dou a liberdade”. Conceder esse tipo de alforria condicional não significava restringir a liberdade, mas sim portar-se como pai mesmo no além-túmulo, governando a vida dos filhos, dos cônjuges e também dos forros transformados em filhos por afeição.
Bem provido tanto de casas quanto de escravos, muito provavelmente Manoel não coabitou com todos os seus herdeiros durante a vida, mesmo que se relacionasse sexualmente com as escravas. Para se construir laços familiares, não era necessário viver sob o mesmo teto, afinal os sentimentos parentais quebravam as frágeis paredes de pau a pique das senzalas e os sólidos muros de pedra das casas-grandes. Família não tinha nada a ver com o número de pessoas em uma casa. E, sim, com o sentir-se parte dela, o atar-se por amor, desejo ou afeto, mesmo que fosse do senhor para com sua escrava, e vice-versa. Família era, por amor paterno, reconhecer em cartório uma filha da “puta”. Era ser governado por uma ex-escrava com amor de mãe.
Após a morte do seu senhor, Eufrosina tornou-se a matriarca da família. Como acontece até os dias de hoje, aquela sociedade não parava de reinventar suas famílias. Terão eles nos legado a ideia de que qualquer maneira de amar vale a pena?
Roberto Guedes é professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e autor deEgressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social(Mauad/FAPERJ, 2008).
Nota-Roberto Guedes tem dezenas de livros sobre a escravidão em Porto Feliz,,,procure no Google sobre ele e os livros...
Porto Feliz esboço histórico e de bens culturais
Arquitetura: Casarios:
Construções coloniais com suas janelas coloridas e beirais trabalhados remanescentes da época das monções.
Museu Histórico e Pedagógico das Monções:
Construção de 1840, feita, em taipa-de-pilão pelos escravos, pra ser residência de um importante proprietário rural. Hospedou D. Pedro II em sua visita a Porto Feliz e foi palco de decisões na Revolução Liberal de 1842 e do Movimento
Republicano. Funcionou como Grupo Escolar Coronel Esmério de 1908 a 1950. A partir de 1965, o prédio passou a abrigar o Museu das Monções.
Localização: Praça Coronel Esmério, s/nº, Centro.
Prédio da Antiga Estrada de Ferro Sorocabana:
Construção de 1920, em estilo inglês. Em 1960 teve suas funções originais desativadas.
Monumento das Monções / Monumento aos Bandeirantes:
Construção de 1920, feita próximo ao Rio Tietê, em granito com três baixos relevos em bronze, reproduzindo A partida das Monções, de Almeida Junior - A Bênção das Canoas, de Hércules Florence e Largada de Porto Feliz, de Adrian Tunay.
Antigo Armazém da Estrada de Ferro Sorocabana:
Construção do início do séc. XX, abrigava cargas que chegavam e partiam nos trens. Atualmente abriga a Estação das Artes.
Primeiro Fórum e Cadeia Pública:
Construção de 1910, abrigava o Fórum da cidade no andar superior, e a Cadeia Pública no piso inferior. Atualmente sedia a Guarda Civil Municipal.
Largo da Penha:
Marco do início do povoamento de Porto Feliz, abriga várias construções da época, entre elas o velho casarão construído a cerca de 297 anos.
Engenho Central:
Construção de 1878, foi o primeiro engenho da província de São Paulo e o terceiro do País. Seu maquinário foi trazido da França e funcionou durante mais de um século, sendo desativado em 1991.
Fazenda Engenho D'água: (Totalmente destruida)
Construção de 1858, dedicava-se à produção do açúcar e pertence à Usina União São Paulo. Sua sede tem características do período cafeeiro.
Localização: Às margens do rio Tietê.
Prédio da Casa da Cultura D. Narcisa Stettener Pires:
Construção de 1769, feita em taipa-de-pilão e pau-a-pique, em estilo urbano típico da época. Foi sede de uma grande fazenda, e era conhecida como casa do Tendá.
Gruta de Nossa Senhora de Lourdes:
Construção feita por padres francesas, em 1924, é uma réplica da existente em Lourdes, na França.
Localização: Paredão salitroso do Parque das Monções.
Igreja Matriz Nossa Senhora Mãe dos Homens:
Construção de 1747, em estilo barroco, feita em taipa-de-pilão e pau-a-pique. Seu altar-mor é recoberto por azulejos pintados pelo artista italiano Bruno De Giusti retratando as principais passagens da história de Porto Feliz.
Localização: Praça José Sacramento e Silva, s/nº, Centro.
Museu Histórico e Pedagógico das Monções:
Acervo: 933 peças e objetos relativos à história do Município, biblioteca com coleções raras como a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (de 1839 a 1945).
Localização: Praça Coronel Esmério, s/nº, Centro - Tel: 262-4277.
Centros Culturais:
Casa de Cultura D. Narcisa Stettener Pires:
Centro cultural que abriga a Biblioteca Pública Municipal Dr. Cesário Motta Júnior e a Videoteca do Município.
Localização: Rua Tristão Pires, 123, Centro.
Bibliotecas:
Biblioteca Pública Municipal Dr. Cesário Motta Júnior:
Localização: Rua Tristão Pires, 123, Centro.
As Monções:
Monções (vento favorável à navegação) eram expedições fluviais de descobertas de novas terras, comércio e povoamento, organizadas pelos bandeirantes. Seu período mais importante ocorreu por volta do século XVIII, após as descobertas das minas de ouro de Cuiabá. Do Porto de Araritaguaba, antigo nome de Porto Feliz, partiam as monções que navegando pelo rio Tietê e outros grandes rios, por cerca de 3.500 km para atingir as terras do Mato Grosso, em busca de riquezas, expandiram as fronteiras brasileiras delimitadas pelo Tratado de Tordesilhas. As viagens eram realizadas em batelões (embarcações semelhantes a canoas fabricadas em um tronco só ) e levando aproximadamente 5 meses para chegar ao seu destino. Havia dois tipos de expedições: as reunidas, formadas pelo governo, levando forças militares e autoridades administrativas; e as particulares, executadas por pessoas interessadas no comércio com as áreas de mineração.
Notícias da Capoeira em Porto Feliz
par Carlos Carvalho Cavalheiro - publié en novembre 2006 sur le site CMI Brazil(centre de média indépendant)
A história da
capoeira paulista, praticada antes do surgimento das academias nos
moldes baianos, está sendo revelada aos poucos. Alguns estudiosos tem se
detido a coletar informações sobre essa prática. O texto traz algumas
informações sobre a capoeira informal de Porto Feliz, interior paulista,
nos idos de 1940 a 1950.
Notícias da capoeira em Porto Feliz
É recente o estudo sobre a capoeira antiga no Estado de São Paulo, embora haja algumas informações esparsas sobre a sua prática em diversas localidades do solo paulista. Assim, temos referência no livro de João Amoroso Neto sobre o bandido Dioguinho da luta deste com um negro capoeira da região de Ribeirão Preto. O folclorista Alceu Maynard Araújo informou que a capoeira era ensinada em Botucatu por um carioca chamado Menê. O historiador João Campos Vieira, natural de Tatuí, mas radicado em Porto Feliz, afirma que a tradição popular dizia que "Dioguinho usava navalha no pé e dava rabo de arraia. Era uma capoeira defensiva". As crônicas paulistas ainda dizem respeito a um conflito entre capoeiras e a polícia da capital ocorrido em 1892.
O antropólogo e historiador Carlos Eugênio Líbano Soares, no seu livro A Capoeira escrava e outras tradições rebeldes no Rio de Janeiro (1808 ? 1850), transcreveu a notícia do escravo Izaías, "vindo da vila de Iguape, termo de São Paulo, é dado a capoeira ...". No programa Terra Paulista, foi citado que na cidade de Bananal, Vale do Paríba, ainda se praticava uma "capoeira diferente".
Aos poucos, a história da capoeira paulista vai sendo desvendada. Em Porto Feliz, cidade do interior de São Paulo, ainda se pode encontrar alguns ex-praticantes da antiga capoeiragem e mesmo testemunhas dessa manifestação.
O professor Olivério Rubini informa, por exemplo, que praticava a pernada a qual "era uma brincadeira que antecedia a chegada de todos, onde algumas crianças procuravam derrubar outras com rasteiras. Talvez a diferença com a capoeira era a espontaneidade e a ausência de regras e acompanhamento musical". A pernada parece, então, ser a capoeira primitiva. O local onde se praticava a pernada portofelicense era um terreno baldio usado como campo de futebol e que hoje é a avenida Capitão Joaquim de Toledo, ao lado da Escola Monsenhor Seckler.
Segundo o professor Rubini essa prática ocorria na década de 1940 a 1950.
Outra informação sobre a capoeira em Porto Feliz é o relato do senhor José Aparecido Ferraz, conhecido por Zequinha Godêncio. Desde o ano de 1946 ele acompanhava as brincadeiras de capoeira. Aos vinte anos, por volta de 1951, começou a participar das brincadeiras e treinar a capoeira. Havia em Porto Feliz um capoeirista conhecido por Toninho Vieira. Vendo esse capoeirista treinar e jogar, Zequinha começou a praticar imitando-o. "O professor foi só mais ver...", afirmou.
Outra informação interessante de Zequinha Godêncio diz respeito a perseguição policial à prática da capoeira, embora nessa época já não constasse mais no Código Penal. A mesma reclamação fez um capoeirista de Sorocaba, conhecido por Chiu, que disse que por volta da década de 1950 a polícia ainda perseguia quem praticasse a capoeira. Zequinha informou que havia um bar de um "turco" onde se reuniam os capoeiristas e ficavam jogando. O delegado, Barreto, prendia os capoeirista. "No outro dia cedo ele soltava e elevava ao Porto do Martelo. Chegava lá tinha que lutar com ele. Se a gente jogava ele dentro d'água, saía. Não voltava pra cadeia". O delegado, segundo Zequinha, gostava de desafiar os capoeiristas para uma luta. Aqueles que levassem a melhor poderiam ir. Caso contrário, ficariam mais alguns dias na cadeia.
Zequinha lembra alguns nomes de capoeiristas de Porto Feliz: Orides, Pedro (sobrinho de João Xará), Faísca. Também informou que a capoeira era brincada sem acompanhamento musical. "A gente só ia gritando: Aeh!, olha lá, Ah!, Opa! Ia gritando e dando giro". O pessoal de Porto Feliz, na década de 1950, costumava vir a Sorocaba onde no bairro da Árvore Grande brincavam a capoeira com os sorocabanos. "Era lá na Árvore Grande. De lá tinha um chamado Aparecidinho. Tinha Aparecido, um chamado Paulinho. Era os mais chegados".
Ainda sobre a capoeira antiga de Porto Feliz, o colecionador Rubens Castelucci informa que havia um pessoal que brincava no largo da Laje, antiga rua da Laje. Segundo Rubens, o prefeito Lauro Maurino promovia muitas apresentações de capoeira e congada em comícios políticos e em festas. Vinham pessoas de Capivari para auxiliar o grupo de Porto Feliz nas apresentações.
Essas notícias de Porto Feliz servem de parâmetro para mostrar que há muito ainda sobre a capoeira paulista a ser pesquisado. Algumas pessoas têm se dedicado a isso, como Miltinho Astronauta em São José dos Campos e Érika Balbino, de São Paulo. O resultado desse trabalho já começa a aparecer.
Carlos Carvalho Cavalheiro
Porto Feliz história recente...
Toma posse o primeiro Conselho do Negro em Porto Feliz
A Semana da Consciência Negra comemorada em Porto Feliz
iniciou de forma histórica com a nomeação do primeiro Conselho do Negro. Em
evento realizado na Câmara dos Vereadores, no último dia 21, as pessoas que
participaram do encontro assistiram a nomeação do novo Conselho, além de
apresentações de Capoeira, Música e Dança.
A Mesa diretora da solenidade foi formada pelo prefeito do
município, Cláudio Maffe, pelo diretor de Esportes e Turismo, Edison Chechi
Júnior, pela presidente interina da Câmara, Simone Habice Prado Mattar, além do
deputado estadual, Sebastião Arcanjo, da presidente do Conselho de Participação
e Desenvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, Eni de Paula e da
presidente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Porto Feliz, Helcimara
Silva.
Depois dos discursos realizados pelos participantes da Mesa
onde o foco principal foi a participação dos negros na sociedade, e das
apresentações, o novo conselho foi empossado pelo prefeito Cláudio Maffei.
Durante os discursos, o nome do ex-vereador Ivan Leite foi
citado e elogiado. Ele foi autor do projeto de Lei de criação do Conselho do
Negro, no ano de 1988.
A Semana da Consciência Negra no município seguiu durante
todos os dias com debates e encontros. No domingo, 27, aconteceu o encerramento
das comemorações com show de Grupos de Pagode e apresentação de Capoeira do
grupo "Mundo Inteiro", no barracão de festas da Igreja São Benedito.
No sábado, o Cemex foi palco do show de Hip-Hop com apresentações de cinco
grupos e entrada franca.
O Conselho
PORTO FELIZ E A ESCRAVIDÃO
A posição no domicílio e a cor da população em Porto Feliz
O tráfico fez
com que, no conjunto, a população se tornasse menos branca e parda, e mais
negra. Os
negros eram quase 30% em 1803 e mais de 45% em 1843. Isoladamente, tornaramse
maioria a
partir de 1829 (Quadro 4). Todavia, segmentando a análise, observa-se, como era
esperado, que
os negros nunca ultrapassaram 5% entre os livres. Pardos oscilaram ao redor de
26% e os
brancos sempre foram mais de 67% (Quadro 5).
Quadro 4 –
Cor da População de Porto Feliz (1803-1843)
Branca Parda Negra Total
Ano No % No %
No % No
1803 2740 46,2 1428 24,1 1766
29,8 5934
1818 4799 46,0 2135 20,5
3503 33,6 10437
1829 3564 37,1 1241 12,9
4804 50,0 9609
1843 3289
36,6 1590 17,7 4112 45,7 8991
Porto Feliz e a escravidão
.....os escravos formavam a mão-de-obra básica da produção açucareira, pois Porto Feliz era um dos municípios do “Quadrilátero do Açúcar”, área que, entre finais do século XVIII e
meados do XIX, vivenciou o desenvolvimento da atividade canavieira,
embora a vila também se dedicasse amplamente à produção de alimentos.
Eram 1.443 escravos em 1798, representando 35,9% da população total da
vila, passando para 4.928 (51,3%) em 1829, 4.122 (45,8%) em 1843, 1.567
(35,3%) em 1854, 1.547 (20,2%) em 1874 e 594 (10,2%) em 1886.
Antes de Dona Joana, em 1817, seu marido, Vicente Leme do
Amaral, libertara escravos com a condição de permanecerem com Dona
Joana até que esta morresse, mas, entre os testamentos do marido e da
esposa, alguns escravos alforriados tiveram filhos, que Dona Joana
considerou
libertos “em virtude do testamento” do marido. Para “evitar questões”
que talvez ocorressem, Dona Joana, enfática e repetidamente, determinava
que seriam “tidos por libertos os filhos dos escravos [...] que
nasceram depois da morte do dito meu marido”. Sua insistência faz crer
que ela não tinha certeza se suas últimas vontades seriam cumpridas.
O inventário de Dona Joana foi aberto em maio de 1844 e um
juiz mandou cumprir as disposições, “sem prejuízo de terceiros”
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