domingo, 2 de julho de 2017

Colonos Belgas em Porto Feliz

COLONOS BELGAS EM PORTO FELIZ

Colonos Belgas em Porto Feliz (*)

A rápida expansão da economia cafeeira para o chamado “Oeste Paulista”, praticamente despovoado no século passado, ocorreu em um momento no qual estavam reduzidas as possibilidades de continuidade das relações escravistas de produção. A demanda de mão de obra era muito maior que a oferta de escravos, e a permanência de escravidão impunha limites à utilização de outras fontes de trabalhadores.  A existência do preconceito contra o braço nacional, que, por sua vez, não se adaptava facilmente à condição de trabalhador

assalariado de forma disciplinada, dificultava a sua utilização. A preferência dos fazendeiros do ‘’Oeste” pelo trabalhador estrangeiro e a existência de um excesso de população liberada pela crise que assolava vários países da Europa, especialmente a Itália, favoreceram a implantação de um fluxo imigratório para a então Província de São Paulo. Pouco a pouco os imigrantes estrangeiros sob formas diversas como: regime de parceria, imigração espontânea ou subvencionada...) substituiram o braço escravo nas grandes lavouras.

Enquanto nas Províncias do Sul do país predominou o sistema de estabelecimento dos imigrantes em Colônias, como pequenos proprietários, em São Paulo a expansão de cafeicultura reduziu a disponibilidade de terras para esse tipo de fixação de estrangeiros. As limitações das Colonias particulares, que surgiram em diversas fazendas (como a de Ibicaba, do senador Vergueiro, no município de Limeira), e o impasse surgido com o regime de parceria, resultaram na criação de núcleos coloniais oficiais pelo Estado. Sua existência, porém, atendia direta ou indiretamente aos interesses da grande lavoura. Funcionavam como fornecedores de

generos a preços baixas, como focos de atração e fixação de imigrantes, ou então como reservas de mão de obra para seus periodos de maior atividade.

Todas as preocupações com a introdução de trabalhadores visaram completar ou formar quadros de força de trabalho para as lavouras de café. As regiões marginalizadas no surto cafeeiro, como foi o caso de Porto Feliz, não foram beneficiadas pelo fluxo imigratório da segunda metade do século XIX. Nesse período, a força de trabalho disponível naquele município resumia se a umas poucas centenas de escravos.

Entre 1790 e 1830 Porto Feliz, juntamente com Itu e Campinas, controlava a produção açucareira da Capitania de São Paulo. Era uma zona das mais povoadas, e o número de escravos pouco inferior ao de Itu e Campinas.

Depois de favorecido pela conjuntura do final do século XVIII, ocasião em que renasceram os engenhos paulistas, o açúcar brasileiro enfrentou uma fase de recessão, a partir de 1830, que teve suas origens no aumento da concorrência nos mercados internacionais.

Em consequência dessa fase de recesso, com o passar dos anos a produção açucareira de Porto Feliz foi perdendo importância, um grande número de engenhos foram desativados e centenas de escravos vendidos.

Augusto Emílio Zaluar ficou decepcionado com o atraso da antiga Araritaguaba quando por ela passou em 1860, e escreveu no seu livro de viagens Peregrinação pela Província de São Paulo: “O seu comércio é muito insignificante, pois apenas existem aqui algumas tabernas, e poucas lojas de fazendas e armazéns. A população deste distrito, que já foi de 10 a 11.000 almas, está hoje reduzida a 7000, sendo 5.000 Iivres e 2.000 escravas”.

Na década de 1870 começaram a ser criados no Brasil os chamados Engenhos Centrais, modernas fábricas de açúcar. Um grupo de fazendeiros de Porto Feliz resolveu também construir um Engenho Central, numa tentativa de superar os problemas econômicos do município, e em 1876 organizou a Companhia Açucareira de Porto Feliz. No contrato que a Companhia assinou com o Governo Imperial para a garantia de juros, então em vigor para capitais empregados em estabelecimentos desse gênero, ficava proibida a utilização do braço

escravo, ao mesmo tempo que facilitava a aquisição de terrenos devolutos para posterior revenda a imigrantes europeus.

Finalmente, com uma grande festa foi inaugurado, a 28 de outubro de 1878, o Engenho Central de Porto Feliz, o primeiro construído na Província de São Paulo e o terceiro de todo o Brasil.

Entretanto, nada de providencias concretas para a introdução de trabalhadores na região. Criado o Engenho Central, o cultivo do canavial e a fabricação do açúcar formaram dois setores separados, com a aplicação de medicas ‘’modernizantes” apenas no segundo setor. A deficiência de braços e de novas técnicas na lavoura , a deficiência dos meios de transporte de cana, e o desinteresse dos plantadores em assumir compromissos de fornecimento, geraram uma série de crises no abastecimento de matéria prima.

Núcleo colonial “Rodrigo Silva”

Para colaborar na solução da crise de fornecimento da cana de açúcar, recorreu se então, passado quase um decênio da inauguração do Engenho Central, às experiências já utilizadas na cafeicultura: aos núcleos coloniais. Assim, nas zonas açucareiras de Porto Feliz e Lorena, onde também foi fundada uma colônia para atender às necessidades de um Engenho Central, os núcleos coloniais oficiais poderiam atrair e fixar trabalhadores, que se transformariam em pequenos proprietários e assegurariam safras fixas de cana aos respectivos

Engenhos Centrais.

Nessa época, a Sociedade Central de Imigração e outros dos interessados na transferência de mão de obra para o Brasil desenvolviam intensa propaganda na Europa. Na Bélgica surgiram muitos candidatos, entre eles o padre Jean Baptiste VanEsse, atraído com a possibilidade dos lucros que certamente proporcionariam a formação de uma colônia belga no Novo Mundo.

Para a instalação do núcleo colonial em Porto Feliz, o governo havia adquirido algumas propriedades nas imediações da cidade. Nessa altura dos acontecimentos VanEsse já conversara com o Ministro da Agricultura, na ocasião Rodrigo Silva, ao qual fora apresentado por Edouard de Grelle, Ministro da 8élgica no Rio de Janeiro. Levaram o padre belga para conhecer as terras de Porto Feliz e ele entusiasmou se com a fertilidade do terreno, considerado proprio para o cultivo da cana, cereais, café e tabaco. Depois da visita, VanEsse

escreveu à Diretoria da Sociedade Central de Imigração uma carta, datada de 13 de janeiro de 1888, dando pormenores do seu projeto, no qual seriam investidos 50.000 francos belgas.

Autorizado pelo Aviso nº 111, de 16 de novembro de 1887, do Ministério da Agricultura, o Inspetor Geral das Terras e Colonização assinou, no dia seguinte, um minucioso contrato com o padre VanEsse . De acordo com o contrato seriam introduzidas 50 familias na colonia, sendo 45 familias necessariamente de agricultores, a começar do inicio de maio de 18B8 até 31 de maio de 1889. Cada familia obrigava se a trazer um capital minimo de 1.000 francos, mais os utensilios domésticos e implementos agricolas. As despesas com o transporte dos colonos e de suas bagagens ficavam por conta do governo.

O núcleo colonial ficaria sujeito à jurisdição civil, segundo as leis e disposições em vigor no Império, e o padre VanEsse, na qualidade de “diretor espiritual”, seria um representante remunerado do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Publicas.

Conforme o oficio de 19 de fevereiro de 1888, enviado por E. de Grell e a o Principe Chimay, Ministro dos Negócios Estrangeiros da Bélgica, o Ministro Rodrigo Silva previa um brilhante futuro da Colônia de Porto Feliz, cuja criação testemunhava a simpatia dos brasileiros pelos trabalhadores belgas.

Para atrair seus colonos na Bélgica, VanEsse redigiu um opúsculo, no qual prometia grandes vantagens: os lotes de 20 a 30 hectares custariam em média 1.400 francos e poderiam ser totalmente pagos pelos colonos no prazo máximo de sete anos. Além disso, como o núcleo era fundado com o objetivo de alimentar o Engenho Central, toda a produção de cana tinha comprador certo.

O opúsculo esclarecia que, como as casas construídas pelo governo eram precárias, seria preferível transportar da Bélgica casas pré fabricadas com paredes, divisões e teto de ferro.

Aos colonos VanEsse sugeria a organizado de uma cooperativa. Através dela o excedente da produção seria colocado no mercado, a ela caberia a compra de alimentos e ferramentas, e mediante uma pequena contribuição mensal ela providenciaria assistência médica e medicamentos as famílias dos colonos. A cooperativa poderia depois se ligar a outras do mesmo gênero, formadas em futuras colônias belgas.

As primeiras 25 famílias chegaram ao Brasil a bordo do navio Hipparchus. Do porto de Santos partiam de trem com destino a Itu ou Sorocaba, de onde alcançariam Porto Feliz a pé ou em carro de bois. Em fins de maio de 1888 requereram os seus lotes os seguintes colonos: Alexandre Libois, Edouard Leroy, Vital Kestemond, Felix Wayens, J.B. Vanerwyck, J.J. Descolte, Juies Bertz, François Aerre, François Labenne, Ferdinand Boudart, Auguste Dubois, Hubert Dumont, Augustine Detry, Gustave Dumont, Genius Despontin, Edmonde Taupe, Emile Gérard Ballion, Adelin Péters e Auguste de Becquerot.

O estabelecimento recebeu a denominação de Núcleo Colônial “Rodrigo Silva”, em homenagem ao antigo Ministro da Agricultura. Ocupava uma área de 1.600 hectares, que custaram 23:000S000 réis aos cofres públicos. De acordo com um artigo publicado no Etele du Sud (jornal escrito em francês, dirigido por Charles Morel e impresso no Rio de Janeiro,foram projetada para abrigar 1.000 colonos belgas, e esperava se que constituisse em  estabelecimento modelo, uma espécie de escola pratica de agricultura, de centro de difusão de novas técnicas de cultivo e de novas lavouras. A Gazeta de Noticias, do Rio de Janeiro considerava o empreendimento “louvavel” não apenas como auxilio para a agricultura, mas também do ponto de vista de sua influência em todas as esferas sociais”, com a conseqüentes facilidades para o desenvolvimento da pequena propriedade, introduzindo no Brasil elementos da “laboriosa raça belga.”

Meses depois, o Diário Popular de 31 de janeiro de 1889, sob o título ‘’Colônia Malsinada”, dava “conta das péssimas condições em que se encontrava a projeta escola prática de agricultura. A notícia falava em “falta de direção experimentada’’ criticava a intervenção paternal do Governo e a direção clerical, que revelava ‘’tendências absorventes e autoritárias’’. Informava ainda que os imigrantes estavam vendendo ferramentas agrícolas por falta de dinheiro para a compra de alimentos. O Senador Taunay comentou esse artigo na sessão de 7 de fevereiro de 1889 da Diretoria da Sociedade Central de Imigração.

As mesmas críticas do Diário Popular foram repetidas por Alfred Marc em Le Brésil: Excursíon dutravers ses 20 Provinces publicado em 1898. Surgiram protestos contra a direção do núcleo colonial. Entretanto, VanEsse não desistiu da empresa. A 4 de maio de 1889 remete um ofício ao Barão George Reusens, então Ministro da Legação belga do Rio de Janeiro, solicitando sua intervenção para a prorrogação do prazo do contrato, que o obrigava a introduzir as famílias restantes, já engajadas na 8élgica, até o dia 31 daquele mês, e para as quais o Cônsul do Brasil em Anvers não concedia a necessária autorização para embarque, No mesmo ofício ele se defendia das acusações apontando a existência de inúmeros inimigos, que não perdiam oportunidade para calunia.

O Consul da Bélgica em São Paulo, Pety de Thozée, era um dos críticos de VanEsse. Lembrava que o padre tivera a brilhante idéia de vender aos colonos casas de ferro fabricadas em Charleroi, inabitáveis em clima quente, em vez de construir moradias com material local. Acusava VanEsse de ter comprado a fazenda “Canguera”: nas proximidades da Colônia, por preço exagerado e para uso pessoal.

Pouco a pouco os colonos debandaram. Uns voltaram para a Bélgica, outros passaram para Porto Feliz e cidades vizinhas e poucos ficaram na Colônia.

A tutela do Governo somente foi retirada pelo Decreto número 225 A, de 30 de dezembro de 1893, que emancipou também outros sete núcleos oficiais instalados em outros municípios.

Os belgas foram substituídos por brasileiros e imigrantes de outras nacionalidades, como demonstrou o recenseamento realizado em 1893: a população de 271 habitantes, todos agricultores, era formada por 150 brasileiros, 62 belgas, 39 italianos, 16 espanhóis, 1 francês, 1 alemão, I norte americano e 1 “africano”.

Das 52 moradias, avaliadas em 13:420$000 réis, 50 ainda eram casas provisórias. O valor da produção do Núcleo Colonial “Rodrigo Silva” nesse ano atingiu 46:068$000 reis, no qual o milho participava com mais de 5096 registrando se a existência de dois “engenhos de-cana” para o seu beneficiamento. A produção de cana não ultrapassou os 60 carros (cada carro equivalia aproximadamente a 1.500 quilos), avaliados em I:800$000 réis. Os colonos, quando plantavam cana, achavam mais produtivo “fazer com ela aguardente, do que puxá la uma longa distancia, empilha la sobre vagões e esperar em seguida com paciência longos meses para serem pagos, estando o Engenho cronicamente sem vintêm”, como escreveu Frederic Sawyer no seu estudo sobre a industria açucareira em São Paulo, publicado em 1905.

O fracasso da experiência com colonos belgas em Porto Feliz deve ser atribuido à deficiência do sistema de recrutamento desses imigrantes. A própria diretoria da Sociedade Central de Imigração reconhecia que os belgas não estavam dando prova como trabalhadores assalariados nas fazendas e como pequenos proprietários, porque vinham da Europa com muitas esperanças, fundadas em promessas exageradas e de difícil realização, pelo menos na fase inicial. E a maioria deles era formada por operários das industrias e minas, que não tinham nenhuma experiência anterior com o trabalho do campo.

Além desse problema fundamental devemos lembrar ausencia de uma liderança efetiva; a pressão exercida por alguns dos grandes proprietários, que certamente não viam com bons olhos o estabelecimento; as reduzidas dimensões do mercado consumidor para os produtos da colonia e as constantes crises do próprio Engenho Central que motivou a sua fundação.

Depois de sua desastrosa atividade como diretor do Núcleo Colonial Rodrigo Silva’’, o padre VanEsse exerceu as funções de vigário em várias cidade do interior: Cajuru, Matão, São Carlos, Santa Barbara do Rio Pardo e depois em Curitiba. Terminou a sua vida como professor do Seminário Arquidiocesano de São Paulo.

(*) Jonas Soares de Souza - Jornal Cruzeiro do Sul – Sorocaba - 3 de setembro de 1978 p.20