segunda-feira, 4 de setembro de 2017

Canoas ou Batelões



Canoas ou Batelões - ( tamanhos, madeira e construção ) (*)

   A mais antiga referência a essas embarcações é a de Dom Luís Cespedes Xeria que, em 1.628, á maneira da terra, improvisara sua frota, composta de três batelões, um dos quais comportava cinquenta remeiros, talhada que fora em gigantesco madeiro, cuja circunferência media dezessete metros e sessenta centimetros. Nota-se, todavia, que o sistema de navegar adotado pelo governador do Paraguai não era o seguido pelos índios e mais tarde corrente nas frotas de penetração de Mato Grosso. O numero elevado de remadores do governador espanhol seria aproveitado simultaneamente, ou incluiria as reservas de braços para turnos alternados de trabalho? Se, realmente cinco dezenas de homens impulsionavam, ao mesmo tempo a enorme embarcação, teria sido uma inovação de origem européia, pois bem diverso era o processo então adotado...
   Nem todas as canoas postas a flutuar no Tietê tiveram as dimensões registradas por Dom Luiz de Céspedes Xeria. O tamanho variava, sendo usual o de doze e treze metros de comprimento por um e meio de boca, dependendo do porte das árvores existentes nas matas próximas ás oficinas de construção. Na região amazônica, pela mesma época das monções paulistas, as embarcações eram, embora feitas como visto pelo mesmo sistema, bem mais avantajadas proporções. No começo do século XIX, Martins testemunhou, ali a existência de ubás cuja capacidade de carga atingia duas a três mil arrobas, além da equipagem de vinte homens - dimensões jamais atingidas pelas embarcações que trafegavam pelo Tietê, mesmo no auge do comércio fluvial com as minas cuiabanas, havia a considerar, além do menor corpo das arvores das matas do Tietê, a necessidade de atender aos empecilhos da navegação desse rio e o pouco volume de água nos rios que davam acesso á região aurifera, tais o Sanguessuga e o Camapuã.
  

 

1 - Segundo Teotônio Juzarte


 
 Teotônio José Juzarte em sua linguagem chã de homem acostumado mais á espada que a pena de pato, minudenciou a descrição da esquadra de 26 canoas, com que rodou, de Araritaguaba, a 13 de abril de 1.769, em socorro dos miseráveis povoadores do Iguatemi. Vale transcrever essa página que é sem dúvida o mais fiel relato de como então se navegava pelo Tietê.
  "Chamam- se estas embarcações vulgarmente canoas, são feitas de um só pau, têm de comprimento cinquenta até sessenta palmos, e de boca cinco até sete; são agudas para a proa e popa: são á maneira de uma lançadeira de tecelão. não tem quilha, nem leme, nem navegação á vela. A grossura do casco não excede na borda, a duas polegadas. Custam estes cascos, sem mais preparo algum, setenta até oitenta mil réis, e mais fornece cada uma de oito homens, oito remos, quatro varas, uma cumieira ( coberta de lona ), pólvora, bala, machados, foices, enxadas e armas de fogo. A saber, um piloto que piloteia no bico da popa em pé continuamente. Um proeiro na mesma forma no bico da arma cinco ou seis remo do piloto é maior que os outros porque com ele governa a canoa. O dos proeiros é menor que os dos remeiros porque com ele desvia a lança dos perigos que se lhe oferecem pela proa. Os remos dos remeiros são todos iguais; as varas que tem suas juntas de ferro servem somente para subir os rios que nesse caso não se usa de remos; a coberta de lona só serve para cobrir a carga da canoa quando chove. Navegam estas embarcações sempre a céu descoberto, e a gente ao rigor do tempo. Carregam de sorte que só lhes fica fora da água pela sua borda um palmo pouco mais, tem estas embarcações dois espaços vazios nas suas duas extremidades da popa e da proa, que tem cada um de comprimento dez até doze palmos em os quais se não mete carga. Porque o espaço da extremidade da proa ocupam os cincos ou seis remeiros, e o proeiro vai adiante em pé no bico da canoa: o outro espaço da popa, o do piloto governando sua canoa nesse espaço da popa se costuma armar uma barraca ( quem pode fazer essa despesa ) que não acomoda mais que duas pessoas com incômodo, cuja se faz de baeta vermelha forrada de liage, e fica á imitação de toldo de um escaler; mais isto só serve para algum bom caminho porque ás mais das vezes se não pode navegar com a da barraca, e tudo mais a céu descoberto, sentados por cima das cargas que enchem a canoa por todo seu comprimento, livres as duas extremidades. Nestas duas extremidades livres o vazio que acomoda a carga, há duas travessas que seguram a borda da canoa, uma avante e outra á ré; cada uma tem o seu furo no meio, por onde se enfiam perpendicularmente duas foquilhas que excedem acima dessas travessas dois palmos; em cima destas forquilhas se atravessa uma vara, a que chamam cumieira sobre esta cumieira se poem de palmo a palmo, umas varinhas á maneira de pernas das de um telhado e cujas extremidades botam fora da borda da canoa. Isto feito o que se executa depressa se cobre com a coberta de lona que vai pronta para isso, e fica a canoa coberta das chuvas, á maneira de um telhado, ou tumba que pouca ou nenhuma água lhe cai dentro; e isto se faz durante as tempestades de chuva, ou quando se passam ondas grandes que, saltando por cima de uma parte para a outra, escoam as águas pela lona para fora. Exceto os espaços ditos que não se cobrem e a água que lhes cai dentro se esgota"...


2 - Segundo o viajante sueco Gustavo Beyer

 

Em 1.813 de passagem por Araritaguaba Gustavo Beyer, viajante sueco, teve ensejo de ver a frota que se apresentara, por ordem do Conde de Linhares, abandonada sob um galpão desde a morte do operoso ministro, acontecimento que frustava a expedição. O escandinavo assim descreveu as embarcações: "Em cada canoa cabem oitenta homens com armas e tudo necessário, menos água e todas são feitas da preciosa peroba, de cujo tamanho se pode fazer idéia sabendo que uma canoa destas é feita de um só tronco”.

3 - Segundo Hércules Florence


   Treze anos depois, segundo o testemunho de Hércules Florence, pouco se haviam alterado o feitio e as dimensões dessas embarcações:
   "Tinham ( as canoas )  5 pés de largo, sobre 50 de comprimento e 3 1/2 de profundidade, feitas de um só tronco de árvore e trabalhado por fora, de fundo chato e com pouca curva. Esse fundo era de 2 1/2 polegadas de espessura, a qual ia diminuindo até a borda, onde não tinha mais de uma polegada. Uma larga faixa de madeira, pregado solidamente, guarnecia as duas bordas, e bancos deixados no interior da canoa aumentavam-lhe a solidez, além de 2 grandes travessas, que concorriam para o mesmo fim. Essas embarcações assim construídas, são muito pesadas entretanto, ainda que fortes, não podem comumente resistir ao choque nos baixios, quando impelidas pela rapidez das águas."

4 - Segundo Aires Casal


   Eram estas as grandes canoas descritas por Aires de Casal em sua "Corografia Brasílica" (1.817) "de oitenta palmos de comprimento, sete e meio de largura, e cinco de alto, em que se navega para o Cuiabá, e carregam 400 arrobas, afora o mantimento necessário para 8 homens de tripulação, e ás vezes passageiros."

5 - Segundo o governador Rodrigo Cesar de Menezes


   Dom Rodrigo César de Menezes, em 1.724, referiu que as embarcações empregadas no transito para Cuiabá apenas comportavam cinquenta a sessenta arrobas, incluindo-se nesse limite o peso dos tripulantes; o mesmo viajante, todavia, queixando-se das perdas sofridas na descida dos rios, afirmou que suas canoas haviam transportado dez homens, em média para cada uma, o que com a mercadoria, perfaria peso muito superior ao mencionado.

6 - Segundo Cândido Xavier de Almeida e Souza


   Em 1.786, segundo Cândido Xavier de Almeida e Souza, cada canoão admitia dez homens, além dos encarregados da navegação, oito ao todo, a saber piloto, contra-piloto, proeiro e cinco remadores. Antes, em 1.757 na frota do Conde de Azambuja, o numero de passageiros havia sido de vinte, sem contar a gente de mareação. Tais divergências se  explicam pela falta de madeiras que permitissem a construção de cascos de tamanho uniforme, sabido que o interesse das autoridades era o de obter a maior lotação possível, dado que as dificuldades da navegação não diminuiam sensivelmente com a redução da tara dos barcos nos maus passos dos rios, tanto os grandes como os pequenos tinham de ser arrastados pelos varadouros. Poupava-se também o pessoal de mareagem que não era abundante.
  

Conclusão


Como visto, as canoas paulistas não diferiam muito das pirogas: faltavam-lhes carona, leme e velas e eram impelidas, como aquelas por homens que se conservavam com pé na proa. Já havia, entretanto, maior acomodação interna, varejões ferrados, cumieiras com toldos de lona desmontáveis para abrigo da carga, bem como bordas reforçadas e cintas de resistência para o cavername, até aparelho de ancoragem de feitio alongado e estreito, com as extremidades agudas, essas embarcações mantinham a proporção de um para dez, aproximadamente, entre a maior largura e o comprimento total. Apesar do espaço ocupado pelas obras mortas ( bancos, travessões, forquilhas para a cumieira ) tinham boa capacidade de lotação, utilizada no limite de flutuação, para aproveitamento máximo do custo dos cascos e das viagens de longo percurso. Quatrocentas arrobas de carga, afora o mantimento, eram acomodadas nessas canoas, sempre que possivel, em fundos cilíndricos, para ganho de espaço. Admite Buarque de Holanda, entretanto que isso só passou a verificar-se em fins do século XVIII e começo do seguinte, quando já escasseavam as árvores de grande porte; antes as dimensões das canoas deveriam ter sido maiores, facultando bem maior capacidade de transporte.
   Havia, na construção das canoas, preferência por certas madeiras que bem resistiam á umidade. Nas margens do Tietê, as essências mais usadas eram a peroba, o ximbó e o tamboril. A devastação das matas marginais foi, porém acentuando a falta de troncos adequados e consequentemente, encarecendo a construção. Tempo veio em que as canoas já não podiam ser construídos á beira-rio: em plena mata eram as árvores abatidas e ali mesmo desgalhadas, alquejadas e escavadas, havendo que arrastar as embarcações prontas para a água...

(*) Rio Tietê – Mello Nobrega

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