Canoas ou Batelões - ( tamanhos,
madeira e construção ) (*)
A mais antiga
referência a essas embarcações é a de Dom Luís Cespedes Xeria que, em 1.628, á
maneira da terra, improvisara sua frota, composta de três batelões, um dos
quais comportava cinquenta remeiros, talhada que fora em gigantesco madeiro,
cuja circunferência media dezessete metros e sessenta centimetros. Nota-se,
todavia, que o sistema de navegar adotado pelo governador do Paraguai não era o
seguido pelos índios e mais tarde corrente nas frotas de penetração de Mato
Grosso. O numero elevado de remadores do governador espanhol seria aproveitado
simultaneamente, ou incluiria as reservas de braços para turnos alternados de
trabalho? Se, realmente cinco dezenas de homens impulsionavam, ao mesmo tempo a
enorme embarcação, teria sido uma inovação de origem européia, pois bem diverso
era o processo então adotado...
Nem todas as
canoas postas a flutuar no Tietê tiveram as dimensões registradas por Dom Luiz
de Céspedes Xeria. O tamanho variava, sendo usual o de doze e treze metros de
comprimento por um e meio de boca, dependendo do porte das árvores existentes
nas matas próximas ás oficinas de construção. Na região amazônica, pela mesma
época das monções paulistas, as embarcações eram, embora feitas como visto pelo
mesmo sistema, bem mais avantajadas proporções. No começo do século XIX,
Martins testemunhou, ali a existência de ubás cuja capacidade de carga atingia
duas a três mil arrobas, além da equipagem de vinte homens - dimensões jamais
atingidas pelas embarcações que trafegavam pelo Tietê, mesmo no auge do
comércio fluvial com as minas cuiabanas, havia a considerar, além do menor
corpo das arvores das matas do Tietê, a necessidade de atender aos empecilhos
da navegação desse rio e o pouco volume de água nos rios que davam acesso á
região aurifera, tais o Sanguessuga e o Camapuã.
1 - Segundo Teotônio Juzarte
Teotônio José
Juzarte em sua linguagem chã de homem acostumado mais á espada que a pena de
pato, minudenciou a descrição da esquadra de 26 canoas, com que rodou, de
Araritaguaba, a 13 de abril de 1.769, em socorro dos miseráveis povoadores do
Iguatemi. Vale transcrever essa página que é sem dúvida o mais fiel relato de
como então se navegava pelo Tietê.
"Chamam-
se estas embarcações vulgarmente canoas, são feitas de um só pau, têm de
comprimento cinquenta até sessenta palmos, e de boca cinco até sete; são agudas
para a proa e popa: são á maneira de uma lançadeira de tecelão. não tem quilha,
nem leme, nem navegação á vela. A grossura do casco não excede na borda, a duas
polegadas. Custam estes cascos, sem mais preparo algum, setenta até oitenta mil
réis, e mais fornece cada uma de oito homens, oito remos, quatro varas, uma
cumieira ( coberta de lona ), pólvora, bala, machados, foices, enxadas e armas
de fogo. A saber, um piloto que piloteia no bico da popa em pé continuamente.
Um proeiro na mesma forma no bico da arma cinco ou seis remo do piloto é maior
que os outros porque com ele governa a canoa. O dos proeiros é menor que os dos
remeiros porque com ele desvia a lança dos perigos que se lhe oferecem pela
proa. Os remos dos remeiros são todos iguais; as varas que tem suas juntas de
ferro servem somente para subir os rios que nesse caso não se usa de remos; a
coberta de lona só serve para cobrir a carga da canoa quando chove. Navegam
estas embarcações sempre a céu descoberto, e a gente ao rigor do tempo.
Carregam de sorte que só lhes fica fora da água pela sua borda um palmo pouco
mais, tem estas embarcações dois espaços vazios nas suas duas extremidades da
popa e da proa, que tem cada um de comprimento dez até doze palmos em os quais
se não mete carga. Porque o espaço da extremidade da proa ocupam os cincos ou
seis remeiros, e o proeiro vai adiante em pé no bico da canoa: o outro espaço
da popa, o do piloto governando sua canoa nesse espaço da popa se costuma armar
uma barraca ( quem pode fazer essa despesa ) que não acomoda mais que duas
pessoas com incômodo, cuja se faz de baeta vermelha forrada de liage, e fica á
imitação de toldo de um escaler; mais isto só serve para algum bom caminho
porque ás mais das vezes se não pode navegar com a da barraca, e tudo mais a
céu descoberto, sentados por cima das cargas que enchem a canoa por todo seu
comprimento, livres as duas extremidades. Nestas duas extremidades livres o
vazio que acomoda a carga, há duas travessas que seguram a borda da canoa, uma
avante e outra á ré; cada uma tem o seu furo no meio, por onde se enfiam
perpendicularmente duas foquilhas que excedem acima dessas travessas dois
palmos; em cima destas forquilhas se atravessa uma vara, a que chamam cumieira
sobre esta cumieira se poem de palmo a palmo, umas varinhas á maneira de pernas
das de um telhado e cujas extremidades botam fora da borda da canoa. Isto feito
o que se executa depressa se cobre com a coberta de lona que vai pronta para
isso, e fica a canoa coberta das chuvas, á maneira de um telhado, ou tumba que
pouca ou nenhuma água lhe cai dentro; e isto se faz durante as tempestades de
chuva, ou quando se passam ondas grandes que, saltando por cima de uma parte
para a outra, escoam as águas pela lona para fora. Exceto os espaços ditos que
não se cobrem e a água que lhes cai dentro se esgota"...
2 - Segundo o viajante sueco Gustavo Beyer
Em 1.813 de passagem por Araritaguaba Gustavo Beyer,
viajante sueco, teve ensejo de ver a frota que se apresentara, por ordem do
Conde de Linhares, abandonada sob um galpão desde a morte do operoso ministro,
acontecimento que frustava a expedição. O escandinavo assim descreveu as embarcações:
"Em cada canoa cabem oitenta homens com armas e tudo necessário, menos
água e todas são feitas da preciosa peroba, de cujo tamanho se pode fazer idéia
sabendo que uma canoa destas é feita de um só tronco”.
3 - Segundo Hércules Florence
Treze anos
depois, segundo o testemunho de Hércules Florence, pouco se haviam alterado o
feitio e as dimensões dessas embarcações:
"Tinham
( as canoas ) 5 pés de largo, sobre 50 de
comprimento e 3 1/2 de profundidade, feitas de um só tronco de árvore e
trabalhado por fora, de fundo chato e com pouca curva. Esse fundo era de 2 1/2
polegadas de espessura, a qual ia diminuindo até a borda, onde não tinha mais
de uma polegada. Uma larga faixa de madeira, pregado solidamente, guarnecia as
duas bordas, e bancos deixados no interior da canoa aumentavam-lhe a solidez,
além de 2 grandes travessas, que concorriam para o mesmo fim. Essas embarcações
assim construídas, são muito pesadas entretanto, ainda que fortes, não podem
comumente resistir ao choque nos baixios, quando impelidas pela rapidez das
águas."
4 - Segundo Aires Casal
Eram estas as
grandes canoas descritas por Aires de Casal em sua "Corografia
Brasílica" (1.817) "de oitenta palmos de comprimento, sete e meio de
largura, e cinco de alto, em que se navega para o Cuiabá, e carregam 400
arrobas, afora o mantimento necessário para 8 homens de tripulação, e ás vezes
passageiros."
5 - Segundo o governador Rodrigo Cesar de Menezes
Dom Rodrigo
César de Menezes, em 1.724, referiu que as embarcações empregadas no transito
para Cuiabá apenas comportavam cinquenta a sessenta arrobas, incluindo-se nesse
limite o peso dos tripulantes; o mesmo viajante, todavia, queixando-se das
perdas sofridas na descida dos rios, afirmou que suas canoas haviam
transportado dez homens, em média para cada uma, o que com a mercadoria,
perfaria peso muito superior ao mencionado.
6 - Segundo Cândido Xavier de Almeida e Souza
Em 1.786,
segundo Cândido Xavier de Almeida e Souza, cada canoão admitia dez homens, além
dos encarregados da navegação, oito ao todo, a saber piloto, contra-piloto,
proeiro e cinco remadores. Antes, em 1.757 na frota do Conde de Azambuja, o
numero de passageiros havia sido de vinte, sem contar a gente de mareação. Tais
divergências se explicam pela falta de
madeiras que permitissem a construção de cascos de tamanho uniforme, sabido que
o interesse das autoridades era o de obter a maior lotação possível, dado que
as dificuldades da navegação não diminuiam sensivelmente com a redução da tara
dos barcos nos maus passos dos rios, tanto os grandes como os pequenos tinham
de ser arrastados pelos varadouros. Poupava-se também o pessoal de mareagem que
não era abundante.
Conclusão
Como visto, as canoas paulistas não diferiam muito das
pirogas: faltavam-lhes carona, leme e velas e eram impelidas, como aquelas por
homens que se conservavam com pé na proa. Já havia, entretanto, maior
acomodação interna, varejões ferrados, cumieiras com toldos de lona
desmontáveis para abrigo da carga, bem como bordas reforçadas e cintas de
resistência para o cavername, até aparelho de ancoragem de feitio alongado e
estreito, com as extremidades agudas, essas embarcações mantinham a proporção
de um para dez, aproximadamente, entre a maior largura e o comprimento total.
Apesar do espaço ocupado pelas obras mortas ( bancos, travessões, forquilhas
para a cumieira ) tinham boa capacidade de lotação, utilizada no limite de
flutuação, para aproveitamento máximo do custo dos cascos e das viagens de
longo percurso. Quatrocentas arrobas de carga, afora o mantimento, eram
acomodadas nessas canoas, sempre que possivel, em fundos cilíndricos, para
ganho de espaço. Admite Buarque de Holanda, entretanto que isso só passou a
verificar-se em fins do século XVIII e começo do seguinte, quando já
escasseavam as árvores de grande porte; antes as dimensões das canoas deveriam
ter sido maiores, facultando bem maior capacidade de transporte.
Havia, na
construção das canoas, preferência por certas madeiras que bem resistiam á
umidade. Nas margens do Tietê, as
essências mais usadas eram a peroba, o ximbó e o tamboril. A devastação
das matas marginais foi, porém acentuando a falta de troncos adequados e
consequentemente, encarecendo a construção. Tempo veio em que as canoas já não
podiam ser construídos á beira-rio: em plena mata eram as árvores abatidas e
ali mesmo desgalhadas, alquejadas e escavadas, havendo que arrastar as
embarcações prontas para a água...
(*) Rio Tietê – Mello Nobrega
Nenhum comentário:
Postar um comentário