terça-feira, 19 de abril de 2016

Porto Feliz, Monções...canoas, batelões e fabricação


A fabricação de canoas, remos e outros apetrechos para a viagem se desenvolveu nas vilas e povoados próximos ao porto dos cuiabanos, como também era conhecido o porto de Araritaguaba. Ainda em 1826, ocaso do movimento monçoeiro, Hércules Florence, contava, que ia para Porto Feliz, mandar construir canoas e preparar tudo para a viagem de Cuiabá (FLORENCE, 1977. p.17). Diz ainda que, em três meses, os mestres do estaleiro fluvial de Porto Feliz e seus operários haviam preparado dois canoões com 1,65 m de largura, e de 16,5m de cumprimento e de profundidade 1,155 m, feitos de um só tronco de árvore de carvalho e trabalhado por fora, de fundo chato e pouca curvatura. Embarcações pesadas, muito fortes, ainda assim era comum não resistirem aos choques com as pedras impelidas com a rapidez das águas (FLORENCE, 1977. p.19).
Essas observações sobre “os mestres do estaleiro fluvial de Porto Feliz e seus operários” mostram uma atividade organizada remanescente da época áurea das monções. Pessoas viviam de fazer remos, canoas e as atividades econômicas da Vila, embora predominantemente agrícolas eram subsidiadas pela fabricação desses apetrechos. As monções provocaram a organização e o desenvolvimento das atividades econômicas dessa região.
Cabe explicar que, as embarcações monçoeiras eram canoas fabricadas com técnica indígena, em geral feitas de um só tronco, de peroba, ximbaúva ou outra árvore de grande diâmetro e que suportasse bem a umidade; o tipo do canoão monçoeiro adaptado à região amazônica foi apelidado “paulista”, no dizer de José Gonçalves Fonseca. Referia-se a barcos de quatorze e mais metros de comprimento (TAUNAY,
1975. Tomo III. p.65). Segundo Juzarte mediam cerca de, mais ou menos, 12 metros de comprimento e de largura, um metro e meio. O tamanho variava, portanto, de acordo com o diâmetro e comprimento das árvores utilizadas. Na borda, a grossura do casco não excedia a  2 cm de largura.
Sergio Buarque de Holanda registra que a “escassez dos paus de canoa e madeiras de construção acentua-se de modo bem sensível durante a aventura trágica do Iguatemy, e a preocupação causada por essa escassez encontra eco em numerosos documentos oficiais do tempo”(Holanda, 1976. p. 38). Outro inconveniente para utilizar essas canoas em grande escala “foi obstado principalmente pelo muito tempo que consumia o trabalho de derribar, falquejar e escavar certos madeiros” (Holanda, 1976.
p. 32), por isso havia outras canoas que eram feitas com tábuas.
Taunay ressalta que havia canoões enormes com até quinze metros de comprido e quase dois metros de boca. “São agudas para a proa e popa, são à maneira de uma lançadeira de tecelão. Não têm quilha, nem leme, nem navegação à vela” (Holanda, 1976. p. 32).
As embarcações monçoeiras tinham dois espaços vazios nas suas duas extremidades, na proa que era ocupada pelo piloto e o proeiro, cada um com um grande remo para guiar o barco e junto a eles, cinco ou seis remeiros, todos em pé, distribuídos pelo espaço livre da carga. “O remo do piloto é maior que os outros, porque com ele governa a canoa. O do proeiro é maior que o dos remeiros porque com ele desvia a lança dos perigos que se lhe oferecem pela proa. Os remos dos remeiros são todos iguais” TAUNAY, 1975. Tomo III. p. 234). Os passageiros, mal abrigados, se amontoavam na popa.
Para se efetivar a navegação, outro importante instrumento eram as varas que tinham suas juntas de ferro, serviam somente para subir rios, quando não se usavam remos. O preço de um casco dessas canoas variava entre setenta e oitenta mil réis. Algumas poucas canoas que seus proprietários tinham mais posses armavam-se uma espécie de toldo feito de baeta vermelha, formada de liage, para proteger da chuva e do sol os passageiros, mas, ainda assim, o apetrecho protetor era pouco usado, devido a dificuldade de navegação nos rios encachoeirados. A regra era os passageiros viajarem sentados por cima das cargas ou no comprimento livre da popa, a céu descoberto.
Na ocasião das chuvas se desenvolveu uma maneira de se toldar parte da canoa. Um “telhado” onde se forrava uma lona que protegia principalmente a carga e não deixava a água se acumular dentro da canoa, durante as tempestades. Estava sempre à mão pólvora, bala, machados, foices, enxadas e aras de fogo. José Juzarte descreveu com pormenores importantes essas invenções. Também, os desenhos de Hércules Florence são obras preciosas que dão ideia de como eram essas embarcações. Holanda afirma, com base nesses documentos iconográficos, que o critério que presidia a fabricação das
canoas monçoeiras era estritamente utilitário: “no conjunto pouco sugestivo dessas silhuetas sombrias, despidas de qualquer atavio, a nota mais viva é o vermelho da Baeta que servia para as cobertas” (HOLANDA, 1976. p. 73). Dessa observação, conclui o autor sobre a falta de lirismo nos hábitos e na vida social do monçoeiro, reveladas na simplicidade e na falta de nomes pomposos para seus barcos, que não louvavam as mulheres, nem as flores ou os santos, mas simplesmente designava a qualidade da madeira que era construída.

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