Porto Feliz crônica de uma época 1957
Relembrando o passado (*)
Porto Feliz, município rico e próspero em passadas eras, nos
primórdios da sua fundação, isso devido ao intercâmbio comercial que então
mantinha com a longiqua Cuíaba, por íntermédio das famosas monções reiunas que
singrando o outrora caudaloso Anhemby, enveredando para o sertão desconhecido,
os componentes destas após enfrentar grandes perigos, atingiam a cobiçada Meca
de ouro, cujo metal, segundo consta, afluía a flor da terra.
Essa a razão pela qual foi tido como o ninho dos
bandeirantes e, dêsse sequito de desbravadores descende a famllia paulista hoje
dispersa por todos os recantos do Estado, cujos ancestrais teem o nome ligado
com a história da lendária Araritaguaba.
Fonsecas, Fernandes, Portelas, Carvalhos, Arrudas,
Florianos, Correas, Sampaios, Paula Leite, Goés e muitas outras foram as
famílias que cooperaram para o engrandecimento de Porto Feliz, nos idos tempos
em que a cidade chegou possuir perto de dois mil prédios, alguns de construção
avantajada, como esse onde funciona o atual Grupo Escolar Coronel Esmédio.
Seu território, que abrangia até o sopé da serra de
Botucatu, foi povoado por grande número de latifundiários, formando grandes
fazendas onde predominou a cultura de cana de açucar da qual se utilizavam como
matéria prima para a fabricação desse produto, com os antigos engenhos
rudimentares, hoje completamente extintos, pois os atuais se dedicam exclusivamente
no fabrico da aguardente.
Além da cana de açucar também foi cultivado em larga escala
o algodão, fumo e cereais, cuja produção superava as necessidades do municipio,
sendo o excedente exportado para os demais centros, utilizando como meio de transporte
as célebres tropas de muares.
Esse progresso teve larga expansão até a extinção das
monções segundo consta no ano de 1828, fato esse que contribuiu para que a
cidade ficasse privada dos proventos que auferia como entreposto comercial
utilizado pelos antigos bandeirantes.
Foi justamente nessa época que a cultura do café teve grande
incremento no solo paulista, embora sua introdução no Brasil datasse do século
anterior, sendo certo que enquanto outras cidades surgiam, Porto Feliz ficou
apático a essa nova riqueza que contribuiu para o progresso desses centros,
alguns formados do seu próprio território, do qual eram desmembrados, como
sejam Tiete e Capivari.
Enquanto o silvo da locomotiva ia acordando os mais
afastados rincões onde predominava a cultura do café, a outrora progressista
Araritaguaba definhava; comércio exíguo, sem industria, pois está era apenas
representada pelos engenhos rudimentares onde se fabricava o açúcar de baixa
categoria (mascavo) e aguardente.
A lavoura encontrava maior desenvolvimento entre os pequenos
sitiantes, que não possuindo engenhos, limitavam-se a cultura do algodão, fumo
e cereais.
Pode-se afirmar que Porto Feliz ficou esquecido das demais
comunicações do Estado pelo espaço de um século, e ainda na atualidade, para
vergonha nossa, encontramos individuos que desconhecem a existência deste
lendário torrão e, várias vezes já fui interpelado por interessados em conhecer
nossa história, procurando saber: onde fica Porto Feliz?
Durante esse longo período permaneceu o município esquecido
do Estado e da União inclusive o regime imperial, fato esse que contribuiu para
mudança de muitas famílias, afim de em outras localidades irem desenvolver suas
atividades e chegando mesmo, algumas dentre essas, abandonar os imóveis que
aqui possuiam, relegando-os ao esquecimento.
Sem meios de transporte, pois que para estes predominava o
antiquado carro de bois, em péssimas estradas, quase que intransitáveis em
épocas de chuva, tanto assim que um dêsses veículos lotado com uma carga que
não ia além de 1.000 a 1.200 quilos, fazia o percurso entre esta cidade e Itu,
com a qual mantinha transação comercial, em oito e mesmo dez dias, para vencer
os 24 quilometros que separam as duas cidades, o que nos dias de hoje é feito
apenas em uma ou duas horas, com os modernos meios de transporte.
Mesmo com todas essas dificuldades não faltou ânimo a um
grupo de abnegados portofelicenses que em 1.877 fundaram o atual Engenho
Central, importando da França todo maquinário que naqueles tempos era
considerado moderno, mas presentemente seriam considerados obsoletos.
Durante três lustros permaneceu em funcionamento essa
industria, que depois foi forçada cerrar suas portas por falta de meios para
movimentá-la, pois a produção não compensava os gastos necessários a sua manutenção.
Esse fato veio contribuir para que a cidade caisse ainda
mais no abandono que já vinha suportando desde longos anos, conforme menção já
feita que dos 2.000 prédios antes existentes, estavam reduzidos a uma quarta
parte.
Ainda no tempo do Brasil Império, foi adquirida pelo Estado
a grande área formada por mais de mil alqueires e que pertenceu aos Irmãos
Rodrigues Paes, sendo a mesma dividida em lotes que formaram a antiga Colônia
Rodrigo Silva, nesta se estabelecendo os primeiros povoadores vindos da Bélgica
por intermédio do Padre Vanezio que por sua vez adquiriu a conhecida chácara
denominada Canguera.
Já que foi abordado nesta crônica o nome desse virtuoso
sacerdote, torna-se justo que ao mesmo tempo sejam feitas as referências que
seguem: aqui não encontrou ele o merecido apoio dos homens da época, embora a
missão da qual se achava incumbido revertesse em proveito do município.
Como recompensa recebeu a ingratidão, pois não lhe sendo
possivel solver no prazo determinado os compromissos assumidos teve os seus
bens penhorados, bens estes que saíram em hasta pública, inclusive o próprio
Missal do bom sacerdote: êsse sacrilégio teve por teatro o antigo sobrado, hoje
demolido, localizado na rua Aubertin.
Do sacrificio dispendido pelo Padre Vanezio, ai temos como
testemunhas sobreviventes do fato acima citado, os srs. Alfredo Despontim e
Teófilo Leroy.
Junto com esses citados, outros aqui vieram e de cujas
famílias descendem os Moreaus, Vayens, Wandwelds, Dumonts, Dubois e outros
cujos nomes no momento me escapam a lembrança, e que aqui continuam
desenvolvendo suas atividades, cooperando pelo progresso do município, donde se
deduz que essa ótima semente representada por essa equipe de trabalhadores,
provem do fruto aqui plantado pelo padre Vanezio, figura essa, esquecida e
mesmo desconhecida dos meus próprios conterrâneos.
Resumo a presente crônica no que acima ficou dito, isto é,
sobre o periodo em que nosso município, enquanto outros progrediam, este
caminhava rumo ao desaparecimento, pois ainda nos primórdios da República se
achava reduzida a um lugarejo amorfo, sem comércio, sem industria e com sua
lavoura reduzida, diante da falta de transporte para os produtos oriundos do
mesmo.
Também pudera! A renda do Município não atingia a dez contos
de réis!
Não julguem os leitores que seja meu intento denegrir este
torrão do qual tenho grande orgulho em ser meu berço.
(*) Sabino José de Mello – artigo escrito na Tribuna das
Monções de 1957
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