sexta-feira, 22 de abril de 2016


Porto Feliz crônica de uma época 1957

Relembrando o passado (*)


Porto Feliz, município rico e próspero em passadas eras, nos primórdios da sua fundação, isso devido ao intercâmbio comercial que então mantinha com a longiqua Cuíaba, por íntermédio das famosas monções reiunas que singrando o outrora caudaloso Anhemby, enveredando para o sertão desconhecido, os componentes destas após enfrentar grandes perigos, atingiam a cobiçada Meca de ouro, cujo metal, segundo consta, afluía a flor da terra.
Essa a razão pela qual foi tido como o ninho dos bandeirantes e, dêsse sequito de desbravadores descende a famllia paulista hoje dispersa por todos os recantos do Estado, cujos ancestrais teem o nome ligado com a história da lendária Araritaguaba.
Fonsecas, Fernandes, Portelas, Carvalhos, Arrudas, Florianos, Correas, Sampaios, Paula Leite, Goés e muitas outras foram as famílias que cooperaram para o engrandecimento de Porto Feliz, nos idos tempos em que a cidade chegou possuir perto de dois mil prédios, alguns de construção avantajada, como esse onde funciona o atual Grupo Escolar Coronel Esmédio.
Seu território, que abrangia até o sopé da serra de Botucatu, foi povoado por grande número de latifundiários, formando grandes fazendas onde predominou a cultura de cana de açucar da qual se utilizavam como matéria prima para a fabricação desse produto, com os antigos engenhos rudimentares, hoje completamente extintos, pois os atuais se dedicam exclusivamente no fabrico da aguardente.
Além da cana de açucar também foi cultivado em larga escala o algodão, fumo e cereais, cuja produção superava as necessidades do municipio, sendo o excedente exportado para os demais centros, utilizando como meio de transporte as célebres tropas de muares.
Esse progresso teve larga expansão até a extinção das monções segundo consta no ano de 1828, fato esse que contribuiu para que a cidade ficasse privada dos proventos que auferia como entreposto comercial utilizado pelos antigos bandeirantes.
Foi justamente nessa época que a cultura do café teve grande incremento no solo paulista, embora sua introdução no Brasil datasse do século anterior, sendo certo que enquanto outras cidades surgiam, Porto Feliz ficou apático a essa nova riqueza que contribuiu para o progresso desses centros, alguns formados do seu próprio território, do qual eram desmembrados, como sejam Tiete e Capivari.
Enquanto o silvo da locomotiva ia acordando os mais afastados rincões onde predominava a cultura do café, a outrora progressista Araritaguaba definhava; comércio exíguo, sem industria, pois está era apenas representada pelos engenhos rudimentares onde se fabricava o açúcar de baixa categoria (mascavo) e aguardente.
A lavoura encontrava maior desenvolvimento entre os pequenos sitiantes, que não possuindo engenhos, limitavam-se a cultura do algodão, fumo e cereais.
Pode-se afirmar que Porto Feliz ficou esquecido das demais comunicações do Estado pelo espaço de um século, e ainda na atualidade, para vergonha nossa, encontramos individuos que desconhecem a existência deste lendário torrão e, várias vezes já fui interpelado por interessados em conhecer nossa história, procurando saber: onde fica Porto Feliz?
Durante esse longo período permaneceu o município esquecido do Estado e da União inclusive o regime imperial, fato esse que contribuiu para mudança de muitas famílias, afim de em outras localidades irem desenvolver suas atividades e chegando mesmo, algumas dentre essas, abandonar os imóveis que aqui possuiam, relegando-os ao esquecimento.
Sem meios de transporte, pois que para estes predominava o antiquado carro de bois, em péssimas estradas, quase que intransitáveis em épocas de chuva, tanto assim que um dêsses veículos lotado com uma carga que não ia além de 1.000 a 1.200 quilos, fazia o percurso entre esta cidade e Itu, com a qual mantinha transação comercial, em oito e mesmo dez dias, para vencer os 24 quilometros que separam as duas cidades, o que nos dias de hoje é feito apenas em uma ou duas horas, com os modernos meios de transporte.
Mesmo com todas essas dificuldades não faltou ânimo a um grupo de abnegados portofelicenses que em 1.877 fundaram o atual Engenho Central, importando da França todo maquinário que naqueles tempos era considerado moderno, mas presentemente seriam considerados obsoletos.
Durante três lustros permaneceu em funcionamento essa industria, que depois foi forçada cerrar suas portas por falta de meios para movimentá-la, pois a produção não compensava os gastos necessários a sua manutenção.
Esse fato veio contribuir para que a cidade caisse ainda mais no abandono que já vinha suportando desde longos anos, conforme menção já feita que dos 2.000 prédios antes existentes, estavam reduzidos a uma quarta parte.
Ainda no tempo do Brasil Império, foi adquirida pelo Estado a grande área formada por mais de mil alqueires e que pertenceu aos Irmãos Rodrigues Paes, sendo a mesma dividida em lotes que formaram a antiga Colônia Rodrigo Silva, nesta se estabelecendo os primeiros povoadores vindos da Bélgica por intermédio do Padre Vanezio que por sua vez adquiriu a conhecida chácara denominada Canguera.
Já que foi abordado nesta crônica o nome desse virtuoso sacerdote, torna-se justo que ao mesmo tempo sejam feitas as referências que seguem: aqui não encontrou ele o merecido apoio dos homens da época, embora a missão da qual se achava incumbido revertesse em proveito do município.
Como recompensa recebeu a ingratidão, pois não lhe sendo possivel solver no prazo determinado os compromissos assumidos teve os seus bens penhorados, bens estes que saíram em hasta pública, inclusive o próprio Missal do bom sacerdote: êsse sacrilégio teve por teatro o antigo sobrado, hoje demolido, localizado na rua Aubertin.
Do sacrificio dispendido pelo Padre Vanezio, ai temos como testemunhas sobreviventes do fato acima citado, os srs. Alfredo Despontim e Teófilo Leroy.
Junto com esses citados, outros aqui vieram e de cujas famílias descendem os Moreaus, Vayens, Wandwelds, Dumonts, Dubois e outros cujos nomes no momento me escapam a lembrança, e que aqui continuam desenvolvendo suas atividades, cooperando pelo progresso do município, donde se deduz que essa ótima semente representada por essa equipe de trabalhadores, provem do fruto aqui plantado pelo padre Vanezio, figura essa, esquecida e mesmo desconhecida dos meus próprios conterrâneos.
Resumo a presente crônica no que acima ficou dito, isto é, sobre o periodo em que nosso município, enquanto outros progrediam, este caminhava rumo ao desaparecimento, pois ainda nos primórdios da República se achava reduzida a um lugarejo amorfo, sem comércio, sem industria e com sua lavoura reduzida, diante da falta de transporte para os produtos oriundos do mesmo.
Também pudera! A renda do Município não atingia a dez contos de réis!
Não julguem os leitores que seja meu intento denegrir este torrão do qual tenho grande orgulho em ser meu berço.

(*) Sabino José de Mello – artigo escrito na Tribuna das Monções de 1957

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