sexta-feira, 3 de junho de 2016



Nossa Senhora da Penha – 

Nossa Senhora Mãe dos Homens (*)

 

Vejamos agora o motivo da mudança da invocação de sua padroeira, de Nossa Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens. Velhos portofelicenses, procurando explicar o motivo dessa mudança, contaram o seguinte, que ainda é corrente em Porto Feliz: A imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens foi mandada vir para servir de padroeira a povoação de Cuiabá, e que chegada a Araritaguaba, permaneceu por algum tempo ai a espera da monção, e que, chegada esta, ao tentarem erguer a imagem da Senhora Mãe dos Homens para levarem-na ao batelão que devia conduzi la a Cuiabá, se tornou tão pesada que não foi possível levantá la do solo, por mais esforços empregados; viram os presentes nesse fato o desejo manifesto de Nossa Senhora Mãe dos Homens  de que essa imagem ficasse em Araritaguaba e servisse de padroeira dessa povoação. Até ai a lenda. Vejamos agora o que nos diz a historia.
Em primeiro lugar, devemos declarar que o padroeiro de Cuiabá sempre foi o Senhor Bom Jesus e não Nossa Senhora Mãe dos Homens. Percorrendo a relação dos padroeiros das primitivas povoações de Mato Grosso não encontramos povoação alguma que tivesse como padroeira Nossa Senhora Mãe dos Homens. Segundo consta do Livro I do Tombo da paróquia do Porto Feliz, essa “imagem majestosa e perfeita” foi mandada vir especialmente para ser colocada em “sua sumptuosa Igreja” que os moradores de Araritaguaba “a sua custa e com esmolas dos fieis” estavam construindo em louvor a Nossa Senhora Mãe dos Homens.
Pelo exposto vemos que, sendo pequena e talvez estando em ruínas à primitiva capela de Nossa Senhora da Penha, e tendo sido construída uma grande igreja em louvor a Nossa Senhora Mãe dos Homens, passou esta igreja a servir de matriz, passando então o seu orago a ser a padroeira da paróquia. Toda lenda tem a sua origem em um fato qualquer que lhe de motivo; assim cremos que a lenda referente à imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens teve a sua origem no fato que passamos a relatar.
Segundo nos conta Joaquim da Costa Siqueira em sua “Crônica de Cuyabá”, a 8 de janeiro de 1776 chegava a Cuiabá, onde ia exercer o cargo de juiz de fora, o Dr. Jose Carlos Pereira, o qual, além de ser uma autoridade diligente e austera, era muito piedoso. Em 1779, em uma diligencia que fez a missão de Santana, teve ocasião de ver “a palhoça na verdade indecentissima em que se celebrava os santos sacrifício do altar e mais divinos ofícios e o mais é que servia de matriz, por ser a dita missão freguesia separada”. Devoto fervoroso que era da Senhora Santana concebeu logo o projeto de edificar ali uma Igreja, que servisse de matriz aquela missão, o que, vencendo mil obstáculos, levou a efeito. Concluída a igreja encomendou ele no Rio de Janeiro uma linda imagem da Senhora Santana “com cinco palmos de alto, com a menina ao lado esquerdo a na mão direita uma custódia de prata doirada para nela se expor o Santíssimo Sacramento”. Deixa o Dr. Jose Carlos Pereira o seu cargo de Juiz de Fora e, em novembro de 1781, parte de Cuiabá sem que, até essa data, houvesse ali chegado a imagem da Senhora Santana que encomendara. “Chegado que foi o nosso devoto fundador, Dr. Jose Carlos Pereira, a freguesia de Araritaguaba, da comarca de São Paulo (assim nos conta o cronista), onde fazem desembarque os que vão destas minas pelos rios para os povoados, e achando ai à nova imagem de Santa Anna do Sacramento, aquela que havia mandado vir do Rio de Janeiro para se colocar na sua freguesia, não lhe sofreu o animo passar adiante sem ver a imagem e fazer lhe uma festa solene. Assim o executou a no primeiro domingo que se seguiu, posta a Santa no trono do altar mor da igreja matriz de Araritaguaba, com o Santíssimo Sacramento exposto na custódia, que havia mandado também vir, que tinha a Santa na mão direita, se lhe cantou missa solene, com sermão que pregou o reverendo Francisco Pinto Guedes, natural destas minas e vigário encomendado daquela freguesia”. Não estaria neste fato, contado pelo cronista cuiabano, a origem da Ienda da imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens, contada pelos antigos portofelicenses, visto como a imagem da Senhora Santana ficara para o seu destino? Não teria havido confusão nestas duas imagens, visto como ha muitos que vem grande semelhança entre a imagem de Nossa Senhora Mãe dos Homens, que se venera na igreja matriz de Porto Feliz e a da Senhora Santana da igreja matriz de Parnaíba? Foi, portanto, segundo cremos e salvo melhor documentação em contrário, a edificação de uma grande igreja dedicada a Nossa Senhora Mãe dos Homens que deu origem à mudança da padroeira de Araritaguaba, de Nossa Senhora da Penha para Nossa Senhora Mãe dos Homens.

(*) F. Nardy Filho -  O Estado de São Paulo, 2 de novembro de 1945, pp 5-6.

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