"As rodovias paulistas e as monções setecentistas"
Construir Estradas
Estrada dos Romeiros, Rodovia do Estado, Estrada da Gruta,
Estrada de Cabreúva, e outras tantas foram as denominações dadas popularmente
ao longo do tempo para o trecho Itu - Cabreúva da Rodovia São Paulo - Mato
Grosso, aberta ao público no dia 01 de maio de 1922. Com essa inauguração
completava-se o setor considerado o mais importante da rodovia de noventa e
sete quilômetros de estrada - tronco que ligava São Paulo a Itu, e era
considerada marco na implantação da malha rodoviária paulista.
A estrada estava incluída em um projeto de quase uma década.
Em 1913, o governo de São Paulo chefiado pelo conselheiro Francisco de Paula
Rodrigues Alves (quadriênio 1912-1916) encomendara a elaboração de um
"Plano de Viação" para o Estado. A tarefa seria executada sob coordenação
do engenheiro Clodomiro Pereira da Silva. Na mesma época, o então deputado
estadual Washington Luís Pereira de Sousa, mais tarde famoso como autor do lema
"governar é abrir estradas", em documento dirigido ao Secretário da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Paulo de Morais Barros, ressaltava a
importância da abertura de novas rodovias e dizia que, em relação ao automóvel,
"sabendo que esse veículo não é um concorrente perigoso da estrada de
ferro, e é antes um auxiliar indireto, devemos concluir que fazer boas
estradas, para todo o ano, que permitam o trânsito de automóveis, é um dever
geral, neste momento de progresso da Viação".
No mesmo ano de 1913 sancionou-se a Lei 1406, datada de 26
de dezembro, estabelecendo o regime penitenciário no Estado. Em seu artigo 6º
essa Lei permitia que, enquanto não estivesse concluída a Penitenciária do
Carandiru, os condenados trabalhariam de preferência na abertura, construção e
conservação de estradas públicas de rodagem. A mesma Lei, em seu artigo 16,
autorizava o governo a estabelecer o sistema de Viação do Estado em relação a
estradas públicas de rodagem.
Durante o seu mandato como prefeito de São Paulo (1914)
Washington Luís já tinha traçado um grande programa rodoviário. O programa
preocupava-se basicamente com as saídas do município, visando o futuro
aproveitamento dos cinco troncos estaduais previstos nos Planos de Viação: 1.
São Paulo - Rio de Janeiro, 2. São Paulo - Minas Gerais, 3. São Paulo - Mato
Grosso, 4. São Paulo - Paraná e 5. estradas do litoral sul.
Ao assumir o governo paulista, Altino Arantes Marques
(quadriênio 1916/1920) encontrou a questão rodoviária bastante amadurecida, e
em seu mandato deu andamento a diversas obras. Entretanto, somente no governo
de Washington Luís (quadriênio 1920/1924) é que o rodoviarismo ganhou notável
incremento. É por isso que ele pode comemorar o primeiro aniversário de seu
governo com a inauguração, a 01 de maio de 1921, da estrada São Paulo -
Campinas, cuja construção tinha sido iniciada em 19l6 sob os auspícios da Lei
1406. A partir de então, tomaram-se medidas concretas para o estabelecimento de
um plano definitivo de construção e conservação de estradas, criando-se,
através da Lei 1835-C de 26/12/1921, a Inspetoria de Estradas de Rodagem,
subordinada à Diretoria de Obras Públicas da Secretaria da Agricultura,
Comércio e Obras Públicas, e uma brigada de empreiteiros para o desempenho das
tarefas de construção e conservação.
O caminho das monções
Nessa época retomaram-se os trabalhos de construção da São
Paulo - Mato Grosso, que estavam paralisados. Para Washington Luís, a rodovia
resgatava o caminho das Monções setecentistas, antigamente percorrido nas
"estradas móveis" das águas dos rios Tietê, Paraná, Pardo, Taquari e
Paraguai. O termo monções, na sua origem árabe, significava época ou vento
favorável à navegação. Incorporado ao vocabulário do País, passou a referir-se
às expedições fluviais povoadoras e comerciais que partiam do antigo porto de
Araritaguaba, às margens do Tietê, atualmente Porto Feliz, com destino às minas
de ouro nas cercanias de Cuiabá.
Apesar de no século 18 ter sido feita a abertura de
comunicação terrestre com essa região, na realidade, porém, enquanto perdurarem
as grandes monções, ela nunca poderá ser muito mais do que um complemento do
comércio fluvial. Se no movimento monçoeiro os rios foram imprescindíveis, eles
não tiveram uma ação significativa sobre o movimento das bandeiras, como
registrou Alfredo Ellis Júnior em O bandeirismo paulista e o recuo do
meridiano: " O Tietê, o velho Anhembi, que à primeira vista parece ter
sido o grande caudal que determinou o Bandeirismo, foi desconhecido de grande
parte do movimento".
Dois séculos depois da descoberta de ouro junto à barra do
Coxipó - Mirim, em 1718, por Pascoal Moreira Cabral, a Rodovia São Paulo - Mato
Grosso retomava o antigo itinerário do movimento monçoeiro.
Estrada-monumento
O trecho Cabreúva - Itu da Rodovia São Paulo - Mato Grosso
foi construído entre 1920 e 1922. "Uma estrada de rodagem, talvez a mais bela
e bem acabada que existe no Estado de São Paulo, vai ser inaugurada justamente
no dia em que se verifica o segundo aniversário do atual governo", dizia o
jornal República, de Itu, na edição de 30 de abril de 1922.
O traçado da nova estrada acompanhava, na margem oposta do
Tietê, quase que o mesmo traçado da antiga "Estrada do Imperador".
Nos séculos 18 e 19 através desse caminho era transportado para São Paulo e
Santos, em lombo de burros, a produção ituana de açúcar e café . Isto perdurou
até a construção da Estrada de Ferro Ituana, que seria inaugurada em 1873. A
abertura do trecho foi um trabalho difícil. A picada na mata surgiu a golpes de
facões e machados. O braço humano escavava à picareta a encosta íngreme e carregava
as carrocinhas basculantes transportadoras de terra. A beleza do leito
acidentado do Tietê acabou sendo revelada durante a construção da nova estrada,
que pouco a pouco ganhava forma. Washington Luís estava tão interessado nas
obras que as inspecionou pessoalmente no dia 18 de fevereiro de 1922. O tamanho
da comitiva que o acompanhou naquele dia dá conta da importância da obra para o
governo. Com o presidente do Estado estavam o seu ajudante de ordens, major
Afro Marcondes; o secretário da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, Heitor
Penteado; o deputado federal Carneiro da Cunha; o diretor das Obras Públicas,
Alfredo Braga; o presidente da Associação Permanente de Estradas de Rodagem,
Antônio Prado Júnior e o engenheiro da Diretoria de Obras Públicas, Cássio
Vidigal. No ponto em que marcava o estágio mais avançado das obras a comitiva
presidencial encontrou-se com o engenheiro fiscal da construção da ponte sobre
o Tietê, Paulo Dutra da Silva, e com autoridades do município de Itu.
Finalmente, a 01 de maio de 1922 Washington Luís inaugurou a estrada,
comemorando com pompa o aniversário do segundo ano de mandato. O próximo
trecho, de Itu a Porto Feliz e Tietê, seria inaugurado no ano seguinte, em
1923.
No seu governo Washington Luís desenvolveu um extenso
programa comemorativo do centenário da Independência (1822/1922). Estudioso da
História de São Paulo e autor de livros e artigos sobre o assunto, ele tinha
como projeto privilegiado a idéia de realçar o papel dos paulistas na
construção da Nação. Na estrada Vergueiro (São Paulo - Santos), ao longo da
serra, construiu-se uma série de monumentos com tríplice finalidade: celebrar o
centenário da Independência (1822/1922); lembrar permanentemente aos passantes
o "esforço hercúleo dos paulistas" desde a época colonial até aos
nossos dias para estabelecer a ligação entre o litoral e o planalto central; e
servir de abrigo para os viajantes. Quatro monumentos principais foram então
projetados pelo arquiteto Victor Dubugras: Cruzeiro Quinhentista; Marco de
Lorena; Rancho da Maioridade e Pouso de Paranapiacaba.
Por sua vez, a rodovia São Paulo - Mato Grosso,
especialmente o trecho entre São Paulo e Porto Feliz, poderia também rememorar
a importância dos paulistas na conquista e formação do território nacional. Em sua
última fala pública, em Itu no ano de 1955, Washington Luís de certa forma
deixou patente esta dimensão da estrada: "E esta de Itu é a celebrada
estrada, que partida de São Paulo, chegava ao antigo porto de Araritaguaba e ia
a Mato Grosso, esse Mato Grosso onde a audácia e a perseverança da gente
paulista foram descobrir as minas de ouro de Cuiabá, que enriqueceram a
metrópole de então, e, sobretudo, alargaram a capitania de São Vicente, fazendo
alongar para oeste imensamente as fronteiras do território brasileiro".
Para o trecho Cabreúva - Itu, que desde a sua inauguração já
era considerado como o "mais belo", Washington Luís idealizou e
mandou construir muradas, mirantes e bancadas. Não eram monumentos como aqueles
construídos pelo arquiteto Victor Dubugras ao longo da serra. Mas eram recursos
que tinham a finalidade de facilitar aos passantes a visão de um monumento
natural muito maior: o Tietê e os portentosos jequitibás das margens do
lendário rio. Nos mirantes o viandante poderia ver o Tietê como a "estada
móvel" que conduzira os paulistas ao coração do país e o jequitibá como o
símbolo da magnitude do PRP - "É verdade que o Partido Republicano
Paulista não proclamou a República; mas amparou, ajudou a constituição e o seu
funcionamento. Desse partido foram membros os maiores dentre os maiores homens
que trabalharam durante o regime republicano no Brasil", afirmaria mais
tarde Washington Luís.
Prosseguindo o caminho, a poucos quilômetros de Itu o
viajante alcançaria Porto Feliz, às margens do Tietê. Nas proximidades do
antigo porto geral da velha Araritaguaba, um vistoso monumento em mármore rosa,
executado em 1920 pelo escultor Amedeo Zani, o lembraria das fantásticas
expedições fluviais do século 18 e da constante motivação do homem para vencer distâncias,
descobrir o desconhecido e construir o novo.
Texto JSS
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